Entrevista:O Estado inteligente

domingo, agosto 06, 2006

O patrão dos governantes Gaudêncio Torquato Estado



Mais uma vez, Sua Excelência, o povo brasileiro, é conclamado a subir ao altar central da democracia. Isso ocorre a cada dois anos, quando os ciclos eleitorais o elegem como foco das campanhas, resgatando o conceito expresso por Abraham Lincoln no célebre discurso na inauguração do Cemitério Militar de Gettysburg, em novembro de 1863, quando afirmou que o governo do povo, pelo povo e para o povo, fundamentado na igualdade dos homens, jamais desaparecerá na face da Terra. Na esteira desse dito, que se aproxima da utopia (pois há governos muito distantes do povo), o presidente do TSE, ministro Marco Aurélio Mello, eleva o tom e abre a campanha pelo voto, lembrando que o eleitor é o patrão do presidente, dos senadores e dos deputados, no fundamento de que seus mandatos pertencem ao povo, detentor final do poder. A preocupação do ministro tem como lastro a crise moral que devasta a instituição política e a crescente indiferença do eleitorado, que aponta para sua alienação do processo político e reflexos nos índices de abstenção, votos nulos e em branco.

A jornada de conscientização abre a indagação: quem é e como decide este patrão de 1.727 representantes a serem eleitos em outubro? Que aspectos influenciarão sua decisão? Para começar, há mais patroas que patrões. As mulheres somam 51,53% do eleitorado, ante 48,33% dos homens, ou seja, 64.882.283 ante 60.853.563. Vamos ter uma enxurrada de votos intuitivos. Milhões de eleitores - quase 24% - são analfabetos ou lêem e escrevem, mas não entendem o significado. Logo acima está a fatia que não chegou a completar o primeiro grau, a maior, 34,77%. Essa camada inorgânica pouco se importa com apelo cívico, dando mais valor a trocados, remédios, emprego e pequenos brindes, como óculos, dentaduras e kits para construção civil.

O grosso do eleitorado pertence à categoria das pessoas simples, aquelas que "dividem pouco o pensamento e que, não sendo dotadas de mecanismos de análise e abstração, vêem as coisas de forma prática, tal como a vida lhes apresenta", como define em O Povo o pensador francês Jules Michelet. O processo de escolha é uma equação de fatores como condições sociais, motivações e percepções e custo/benefício. A estes se juntam componentes como proximidade (física, psicológica) entre eleitor e candidato, que resulta em simpatia; vontade de punir, que explica a rejeição a um candidato e opção por outro capaz de vencer o adversário; e o benefício material, que influencia eleitores das margens sociais.

Os bens materiais assumem também a função de cobertor social. Nesse caso, proximidade e custo/benefício do voto se juntam. Eis aí o maior trunfo eleitoral do presidente Luiz Inácio. Na Região Nordeste, com 27% dos votos, o Bolsa-Família chove dos céus, multiplicado pela queda do valor médio do programa, que caiu 19%, ou seja, de R$ 75,43 para R$ 61,02. Exemplo do maná assistencialista: Altinho, em Pernambuco, tem 25 mil habitantes e recebe 23 mil Bolsas-Família. O eleitor-bolsista é forçado a fazer avaliação positiva do governo, deixando de considerar aspectos polêmicos como seu envolvimento com redes de corrupção. Essa massa eleitoral é rachada quando chefes regionais oferecem contrapartida atraente na reta final de campanha, comum em cantões mais pobres. A minirreforma eleitoral, por seu lado, tirou recursos da propaganda eleitoral. Por isso os cabos eleitorais ganharam mais peso neste pleito, corroborando a idéia de que os bolsões carentes poderão mudar o voto.

Além do contingente das benesses, divisa-se um forte segmento populacional - abrigando eleitores de classes diferentes - postado no corredor polonês, vaiando o corpo político. Pedras indignadas são atiradas de todos os lados. E não se pense que esse eleitorado se restringe à faixa de instrução superior. Inclui camadas com primeiro e segundo graus completos/incompletos e instrução superior, cujos índices somados chegam a 41,59% dos votos. Esse é o verdadeiro Monte Everest da eleição, o desafio mais imponente dos candidatos. Em sua encosta estão os votos personalistas, pragmáticos, indignados, todos marcados pelo signo do descrédito e da desconfiança ou movidos pela busca de novas sensações. Incorpora, ainda, núcleos organizados e racionais. Parte desse grupo privilegia a identidade, o conceito e a imagem dos candidatos. Neste caso, o eleitor, principalmente de estratos superiores da pirâmide social, associará o candidato com avanços e mudanças. Quer garantir o passaporte do futuro. Está mais concentrado nas Regiões Sudeste e Sul, que têm, respectivamente, 43,63% e 15,12% dos votos nacionais. E, dentro do Sudeste, São Paulo, com 28 milhões de eleitores, é a locomotiva do trem eleitoral.

O voto de cunho ideológico, de tão pequeno, não afetará o resultado, mesmo que se atribua à esquerda 15% do eleitorado e à direita uns 30% (índices estimados há alguns anos.) A atual crise diluiu as cores dessa votação. O voto partidário também perdeu valor. Desfaz-se no lamaçal que atola as siglas. Na tipologia eleitoral, aparecerá, ainda, um voto de forte conotação regional, comprometido com programas de interesse mais local. Não são para desprezar, ainda, dois grupos que podem alterar o curso da votação, bastando que sejam motivados: o dos eleitores acima de 70 anos e o dos jovens entre 16 e 18 anos, cujo voto é opcional. O primeiro soma quase 6% dos eleitores. São os aposentados insatisfeitos com os 5% que o governo lhes dá de aumento. O segundo, o dos jovens, tende a se dispersar, desobrigando-se do voto. Mas são mais de 3 milhões de eleitores que poderão desequilibrar a balança eleitoral.

Lula, de um lado, Geraldo, de outro, e Heloísa, no meio, correm léguas para conquistar o patrão. Mas grande parcela do patronato está arredia, desconfiada, e receia desfraldar, mais uma vez, a rota bandeira da esperança.

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