Entrevista:O Estado inteligente

domingo, agosto 06, 2006

A lógica das agências independentes Mailson da Nóbrega Estado



Intelectuais ligados ao Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento criticaram, em manifesto, a concessão de independência às agências reguladoras e, particularmente, ao Banco Central. “A nenhuma instância do aparelho estatal é permitido exercer autoridade ou atribuir-se esferas de independência decisória sem que para isso haja uma delegação da soberania popular”, afirmaram. Conclusão: ou as agências se subordinam ao governo ou seus membros precisam ser eleitos pelo povo. Por extensão, o raciocínio valeria para o STF, cujos juízes tomam decisões importantes com força de lei.

Agências independentes são a conseqüência natural da exaustão do nacional-desenvolvimentismo, no qual a economia era fechada, enquanto o Estado promovia a industrialização e produzia bens e serviços. Agora, a economia se abriu, é orientada pelo mercado e o governo deixou de ser o responsável exclusivo pela infra-estrutura econômica. Nesse novo mundo, cumpre ao Estado, além das relevantes funções no campo social e educacional, prover instituições estáveis, previsíveis e críveis, fundamentais para a expansão dos negócios, incluindo agências reguladoras independentes.

No Brasil do controle de preços, do baixo apreço à concorrência e de infra-estrutura ofertada pelo Estado, cabia às agências fiscalizar e controlar certas atividades. Era natural que fossem subordinadas ao Executivo. Não mais.
Agências independentes surgiram nos Estados Unidos no século 19 para coibir os cartéis nos transportes ferroviários e o domínio dos mercados por setores industriais. Elas se expandiram a partir dos anos 1930. Exercem função delegada pelo Legislativo.

As agências federais americanas não pertencem ao Executivo e prestam contas ao Legislativo. Abrangem atividades de banco central (Federal Reserve), mercado de capitais (SEC), mercados futuros (CFTC), defesa da concorrência (FTT), regulação de telecomunicações (FCC), inteligência (CIA), Previdência Social (SSA), proteção ambiental (EPA), aeronáutica e espaço (Nasa) e assim por diante.

Na Europa, as agências independentes apareceram na esteira da privatização dos anos 1980 e 1990. No Brasil, chegaram uma década depois, pelos mesmos motivos. Os bancos centrais europeus, como o nosso, eram independentes apenas na prática. A autonomia formal veio nos anos 1990, essencialmente como parte da adoção da moeda única, o euro.

As agências reguladoras se tornaram uma exigência ditada pela complexidade assumida pela economia. O governo precisa, assim, de pessoal especializado nas matérias cobertas pela regulação. A independência das agências é um chamariz para atrair talentos, maior do que nas atividades burocráticas tradicionais. Esse status evita que elas sejam capturadas pelo poder político ou por outros grupos de interesse.

A literatura sobre agências independentes é extensa. Mostra a importância crucial da independência no caso de atividades reguladas pelo poder público, como as de energia, telecomunicações e transporte. A independência garante compromissos críveis com as regras do jogo, sem o que os agentes privados não se sentirão seguros para investir.

No caso da moeda, a independência do banco central é questão pacífica na literatura e na experiência de países desenvolvidos e em desenvolvimento. Na América Latina, apenas os bancos centrais do Brasil, da República Dominicana e da Guatemala não são independentes. Subordinar o banco central aos governos é submeter a sociedade e a economia ao grave risco de inflação, que costuma ser o resultado de intervenções para atender a interesses eleitorais e da comunidade empresarial.

Do lado político, as agências são convenientes, pois podem funcionar como bode expiatório no caso da adoção de medidas impopulares. No Brasil, onde ainda é baixa a compreensão do papel das agências, como se viu no manifesto, aumentos de tarifas ainda podem ser vistos como ação do presidente e afetar a sua popularidade.

O Brasil precisa consolidar a independência das agências, principalmente com a aprovação de um marco regulatório e da autonomia formal do Banco Central. Será preciso criar e aperfeiçoar normas de prestação de contas. O errado é condenar a idéia da independência, como fizeram os autores do manifesto. 

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