Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 05, 2006

VEJA:Enfim, um debate


Lula defende uma Constituinte, é acusado
de golpismo – mas a idéia, em si, não é má

Antonio Ribeiro
Ulysses, o pai da Constituição de 1988, que só infelicitou o país: agora é diferente


Ao receber um grupo de juristas e advogados no Palácio do Planalto, o presidente Lula lançou a idéia de convocar uma Assembléia Constituinte para fazer a reforma política – um imperativo sobretudo agora que a corrupção no Congresso, com seus mensaleiros, sanguessugas e tenebrosas conexões no governo, revelou uma dimensão assustadora. A idéia de Lula foi recebida com uma cascata de críticas da oposição, que a classificou de "golpe", "casuísmo", "autoritarismo". Também pudera. A sugestão surgiu numa conversa em que se pretendia estrangular o poder investigativo das CPIs, parece feita sob medida para atribuir as roubanças de petistas às deficiências do sistema e, para completar, está-se em plena campanha eleitoral. Tudo isso explica a reação dos oposicionistas. Mas, examinada sem paixões partidárias ou eleitorais, pode ser muito útil se levar o país a fazer não apenas a reforma política mas também outras reformas urgentes, como a tributária e a previdenciária. A seguir, sete questões que ajudam a entender o que é uma Constituinte e como, idealmente, ela poderia funcionar:

POR QUE UMA CONSTITUINTE FARIA AS REFORMAS MAIS FACILMENTE?
Os deputados e senadores costumam estar comprometidos com a ordem vigente e tendem a manter a essência do sistema que os elege. Já os constituintes, com mandatos exclusivos para a aprovação de reformas específicas, agiriam com mais desinibição. A reforma tributária, por exemplo, não sai do papel porque a maioria dos parlamentares quer agradar aos governadores de seus estados, que se opõem a qualquer redução de arrecadação. A reforma da Previdência nunca sai porque cortará benefícios, o que é impopular. Além dessas diferenças cruciais, há vantagens práticas: os constituintes, por exemplo, trabalhariam sem entraves comuns na vida parlamentar, como as CPIs ou as MPs, que vivem trancando a pauta do Congresso.  

QUEM CONVOCARIA A CONSTITUINTE?
O mais democrático, e que evitaria ações na Justiça, seria fazer uma consulta popular – um plebiscito ou referendo – em que os eleitores diriam se querem ou não uma Constituinte. Se a maior parte quisesse, o Congresso aprovaria, por maioria de três quintos, uma emenda constitucional criando a Assembléia Constituinte e definindo sua forma de funcionamento.  

QUEM SERIAM SEUS MEMBROS?
Qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos poderia concorrer, mas seria recomendável que fossem excluídos políticos com mandatos eletivos. O ideal é que houvesse mecanismos para estimular a presença de especialistas e profissionais reconhecidos em sua área de atuação. Em tese, uma Assembléia de notáveis faria um trabalho de maior qualidade. Constitucionalistas consultados por VEJA acham que os constituintes não deveriam superar 150.

QUE MANDATO TERIAM OS CONSTITUINTES?
Os eleitos teriam um mandato para fazer as reformas mais urgentes, entre elas a política, a tributária, a previdenciária e a trabalhista. Encerrados os trabalhos, num prazo de seis meses a um ano, os constituintes voltariam para casa e retomariam suas atividades normais.  

COMO A CONSTITUINTE SE RELACIONARIA COM O CONGRESSO E O PRESIDENTE?
A Assembléia Constituinte teria plenos poderes para aprovar as reformas. "Sua independência seria essencial e estaria definida antes da convocação", diz o jurista Roberto de Figueiredo Caldas. Concluída a Constituinte, nem o governo nem o Congresso poderiam anulá-la. "As decisões seriam soberanas", diz o jurista Ives Gandra Martins.  

QUE PAÍSES JÁ FIZERAM ASSEMBLÉIA CONSTITUINTE E EM QUE CONDIÇÃO?
Na tradição ocidental, assembléias constituintes são convocadas em momentos de ruptura institucional, como na Espanha de 1978 ou na Itália de 1946. Mas há exceções. A Constituinte brasileira de 1988 foi convocada numa hora de estabilidade democrática, ainda que o país viesse de vinte anos de ditadura. Nada, pois, impede uma nova Constituinte. "Uma crise sem precedentes pede uma medida sem precedentes", diz o jurista Octávio Gomes.

O QUE APRENDEMOS COM A CONSTITUINTE DE 1988?
Um Congresso Constituinte, como o de 1988, não é a melhor maneira de fazer reformas. Uma Assembléia, em que os eleitos teriam exclusivamente essa missão e depois voltariam para casa, é mais eficaz. Em 1988, também ficou patente a força extraordinária de uma Constituinte. Mas a Constituição ali elaborada, que criou direitos sem deveres e gastos sem financiamento, só tem infelicitado o país.

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