Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 05, 2006

VEJA: Agora, Israel vai por terra


O massacre de Qana leva os
israelenses a reduzir ataques
aéreos e iniciar a ofensiva terrestre


Diogo Schelp

 

Gil Cohen Magen/Reuters
Frente a frente: soldados israelenses na fronteira com o Líbano

No momento em que a guerra no Líbano entra em sua quarta semana, o primeiro-ministro israelense, Ehud Olmert, equilibra-se entre duas opiniões opostas sobre sua estratégia para derrotar o Hezbollah, grupo islâmico libanês. A opinião predominante entre a comunidade internacional é que os bombardeios no Líbano já foram longe demais. Há um mês, o apoio à ofensiva de Israel contra o Hezbollah – que tinha cruzado a fronteira, matado três soldados israelenses e seqüestrado dois – era amplo e incluía até alguns países árabes. O número crescente de civis libaneses mortos pelos ataques aéreos corroeu a tolerância mundial em relação à reação militar de Israel. A opinião pública israelense vai em outro sentido. A sensação doméstica é que Olmert não vem fazendo a guerra do modo certo e que a guerra não está sendo ganha. Em lugar de correr com o rabo entre as pernas, o Hezbollah aumentou a quantidade de mísseis e foguetes que dispara contra o território israelense. Foram mais de 200 só na quinta-feira passada, com oito mortos.

A razão para as críticas internacionais e domésticas tem raiz na mesma estratégia militar: o foco na guerra aérea. Os bombardeios causam muitas mortes de civis e não têm conseguido reduzir a tenacidade dos guerrilheiros do Hezbollah. A questão metodológica a empregar tem uma agravante: Israel está ficando sem tempo. Precisa acabar com o Hezbollah antes que o cessar-fogo seja imposto pelas grandes potências, o que pode acontecer ainda nesta semana. A decisão de Olmert foi fazer o que talvez devesse ter feito desde o início: ordenou um ataque por terra às posições inimigas próximas à fronteira. Na sexta-feira passada, pelo menos 7.000 soldados israelenses tentavam tirar os terroristas do Hezbollah de seus esconderijos nas vilas do sul do Líbano. O envio de tropas ao território libanês, de onde Israel se retirou seis anos atrás, pode ter duas conseqüências imediatas. A primeira é adiar os planos de cessar-fogo, que vêm sendo discutidos principalmente por americanos e europeus. Enquanto não mostrar resultados militares contundentes, causando um estrago significativo no arsenal do Hezbollah, Israel não poderá entrar nas negociações para uma trégua em boas condições.

 

Davis Guttenfelder/AP
Troca de foguetes no sul do Líbano: em primeiro plano, um tanque israelense

O governo dos Estados Unidos queria ter aprovado já na semana passada uma resolução no Conselho de Segurança da ONU para enviar uma força internacional de paz ao Líbano e garantir as condições para um cessar-fogo. A comoção causada por um desastrado ataque aéreo israelense a uma casa na cidade libanesa de Qana atrasou o plano americano: foram mortas 28 pessoas, em sua maioria mulheres e crianças. O erro trouxe à memória um ataque igualmente trágico de Israel que matou mais de 100 civis na mesma cidade em 1996 – e, pelo mesmo motivo, a luta contra o Hezbollah. O segundo efeito da ofensiva terrestre deverá ser o aumento exponencial no número de baixas entre os israelenses. Até a semana passada, pouco mais de quarenta soldados de Israel haviam morrido. Para combater um inimigo com as características do Hezbollah, esse é um risco necessário. Os guerrilheiros da milícia xiita têm por prática esconder as armas e munições em sua própria casa e fazer os disparos de foguetes contra Israel do meio de áreas habitadas por civis. Aproximar-se do inimigo é a melhor maneira de identificar e destruir sua posição, além de poupar vidas inocentes.

Israel partiu para o tudo ou nada porque, de todos os desfechos possíveis para essa guerra, o que menos lhe serve é o Hezbollah continuar existindo como uma milícia armada. Aos olhos do mundo árabe, só o fato de o Hezbollah conseguir resistir à fúria dos bombardeios israelenses durante quase quatro semanas já é uma demonstração de força do grupo. Se a milícia não for desarmada, Israel sairá desmoralizado do conflito e perderá parte de seu poder de dissuasão na região, depois de quatro guerras vitoriosas contra os árabes. A questão é saber se o objetivo é realista. "Por mais perfeita que seja a ofensiva israelense, não será capaz de desmontar totalmente a milícia – e bastaria manter uma parcela ínfima de sua força para o grupo conseguir se reorganizar", disse a VEJA o americano Edward Luttwak, especialista em estratégia militar do Centro de Estudos Internacionais e Estratégicos de Washington.

Olmert diz que aceita um cessar-fogo apenas se uma força internacional for destacada para entrar no sul do Líbano e desarmar o Hezbollah (no que recebe o apoio dos Estados Unidos). Também exige a libertação dos dois soldados seqüestrados pelo Hezbollah sem o pagamento de resgate – ou, melhor, sem trocá-los pelos libaneses presos em Israel. Essa é, evidentemente, uma posição que todo mundo sabe que poderá ser revista se a troca for a única forma de salvar os reféns. Não é fácil encontrar um consenso para todas as questões envolvendo a intervenção internacional. A maioria dos países que poderiam integrar essa força de paz não quer fazer um serviço que o próprio Exército israelense não conseguiu fazer. Por isso, a França e outros países europeus defendem que só se devem enviar tropas internacionais para supervisionar o desmantelamento da guerrilha xiita depois que Israel parar de bombardear o Líbano.

 

Nicolas Asfouri/AFP
Vítima do bombardeio em Qana: o ataque mudou a opinião pública

Se para Israel o fim do braço armado do Hezbollah é uma questão de segurança, para os Estados Unidos é uma prova de fogo para sua política no Oriente Médio. "O governo Bush cometeu o erro de não se envolver diretamente para solucionar o conflito árabe-israelense", disse a VEJA o iraniano naturalizado americano Vali Nasr, professor de ciência política da Escola Naval de Pós-Graduação, na Califórnia. "Em lugar de tentarem usar seu poder como mediador, os Estados Unidos tentaram resolver os problemas da região com uma intervenção militar no Iraque." De certa forma, Israel imitou no Líbano a estratégia militar americana na invasão do Iraque. O Exército de Saddam Hussein foi pulverizado nas três primeiras semanas de bombardeios aéreos americanos, mas também morreram 2.000 civis. O resultado foi uma vitória rápida, mas incompleta: três anos depois, as tropas americanas ainda enfrentam resistência e o Iraque está à beira da guerra civil entre xiitas e sunitas. A última coisa que os israelenses querem é repetir essa parte da experiência americana e se envolver mais uma vez numa ocupação interminável no sul do Líbano.

Com reportagem de Thomaz Favaro

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