Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 05, 2006

VEJA:Aos petroleiros, com carinho


Os brasileiros pagarão o valor de quatro
plataformas de petróleo para salvar
o fundo de pensão da Petrobras


Giuliano Guandalini


Navio-plataforma da Petrobras: excelência técnica a serviço de privilégios corporativos

O economista Roberto Campos (1917-2001) referia-se à Petrobras como "Petrossauro". O apelido resumia com ironia e precisão o arcaísmo com que a empresa era administrada e o peso desse tiranossauro público sobre as costas da economia brasileira. Protegida pelo monopólio legal, a companhia era o símbolo da ineficiência estatal. A abertura do mercado energético em 1997 fez a empresa modernizar sua gestão, a produção petrolífera disparou e hoje o país festeja a auto-suficiência petrolífera. Mas um dos maiores vícios combatidos por Campos parece seguir imutável: os régios privilégios do Petros, o fundo de pensão dos funcionários da estatal. Na semana passada, a empresa confirmou sua intenção de cobrir integralmente um rombo de 9 bilhões de reais nas contas do Petros. É dinheiro suficiente para construir quatro plataformas marítimas de exploração de petróleo ou duas refinarias novinhas em folha, investimentos que diminuiriam os gargalos produtivos do país e injetariam novo vigor à economia. Pela lei, o rombo teria de ser coberto meio a meio pela empresa e pelos trabalhadores. Mas a Petrobras decidiu ser generosa e pagar toda a conta. Para isso, vai usar recursos que pertencem a milhares de acionistas da empresa e aos contribuintes brasileiros. É quase inexplicável o fato de a Petrobras ter permitido que um rombo contábil fosse criado num fundo do qual é patrocinadora. Mais escandaloso ainda, no entanto, é a empresa tê-lo deixado saltar para 9 bilhões de reais e, ao fim dessa lambança, aliviar os funcionários da Petrobras de qualquer responsabilidade – e mandar a conta para os brasileiros que nada têm a ver com a lambança. Não há retrato mais fiel do descaso com que o dinheiro público é gerido no Brasil.

Tasso Marcelo/AE
Lula, em visita a estaleiro: agrado aos companheiros petroleiros


Como isso pode ter acontecido? Por distorções históricas e espertezas atuais. Deficitário e insustentável desde que foi criado, o Petros está entre as entidades de previdência mais generosas que há na praça. Ele assegura que os aposentados ganhem 90% do salário que recebiam na ativa. Um trabalhador normal da iniciativa privada que tenha um salário de 10.000 reais receberia no máximo 2.801,56 reais se se aposentasse hoje, o teto dos benefícios pagos pelo INSS. Na Petrobras não funciona assim. Quem ganhava 10.000 reais na ativa recebe uma gorda aposentadoria de 9.000 reais ao mês – o Petros banca a diferença entre os 2.801,56 pagos pelo INSS e os 9.000. Esse tipo de sistema de previdência privada, chamado de "benefício definido", entrou em desuso porque cedo ou tarde as contas ficam desequilibradas – os gastos com o pagamento de benefícios avançam num ritmo superior ao das contribuições pagas pelos empregados que ainda não se aposentaram. Atualmente, os fundos utilizam o sistema de "contribuição definida", no qual os beneficiados recebem de acordo com o que contribuíram – exatamente como nos planos de previdência privada vendidos pelos bancos. Outros fundos de estatais também tinham as contas desajustadas, mas fizeram a migração de um sistema para o outro e agora operam no azul. No Petros o ajuste ficou no meio do caminho.

A migração de planos teve início em 2002. Para estimular a troca, a estatal se dispôs a arcar com todo o déficit estimado na época, de 4 bilhões de reais. Além disso, reconheceu uma dívida de 5,5 bilhões de reais relativa aos benefícios dos funcionários que ingressaram na empresa antes de o Petros ser constituído, em 1970, e que nunca haviam contribuído para o plano de previdência. Há quatro anos, portanto, foram injetados outros 9,5 bilhões de reais nas contas do fundo de pensão, que se tornou o segundo maior do país – são 30 bilhões de reais de patrimônio hoje, contra 90 bilhões do líder Previ. Os sindicalistas da Federação Única dos Petroleiros (FUP) opuseram-se veementemente à troca de planos e entraram com ações na Justiça. A maioria deles recebeu a bufunfa sem devolver o privilégio. Isso significou que o rombo não foi estancado. Sobrou um déficit estimado em 1 bilhão de reais ao fim de 2002. Agora, menos de quatro anos depois, o déficit já alcança 9 bilhões de reais. Com tanto desequilíbrio, como o Petros fazia para o rombo em seus balanços parecer menor? O fundo operava com premissas atuariais (na melhor das hipóteses) muito pouco conservadoras. Estimava, por exemplo, que a expectativa de vida dos petroleiros era menor do que a real. Além disso, previa tantas novas contratações da Petrobras quantas fossem necessárias para inventar novas receitas para cobrir o rombo contábil. Altamente questionável, a operação da semana passada tinha a oposição ferrenha do ex-secretário do Tesouro Joaquim Levy. Sua saída, em março, viabilizou a lambança.

Há sete anos, Roberto Campos advertia que a Petrobras não trabalha para seus acionistas, mas para seus funcionários. Muita coisa melhorou na empresa desde então. Alguns graves vícios, como se vê, permanecem.

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