Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 05, 2006

VEJA:De olhos bem abertos


De olhos bem abertos


Monica Weinberg

AFP
"OVO DE PATA"
A modelo chinesa exibe o formato de rosto oval tão valorizado no país: antes de procurar emprego, até 60% das universitárias fazem plástica para "ocidentalizar" a aparência


O que as chinesas querem? Em termos estéticos, o mesmo que as outras mulheres do mundo: ser bonitas. Para elas, isso se traduz em ter a dobra das pálpebras delineada – rara entre orientais –, pele clara e os inevitáveis seios plastificados, entre outros atributos. A busca do aprimoramento exterior transformou o ramo das cirurgias plásticas no terceiro que mais cresce no país. Só fica atrás do efervescente mercado imobiliário e do setor de turismo, segundo um estudo divulgado pelo governo. A clínica comandada pelo cirurgião Tongfeng Ho, um dos mais conhecidos da China, é um retrato dessa vitalidade. Atletas, atrizes, socialites e estudantes se esbarram nos corredores enfeitados por estátuas de deusas gregas e pôsteres de celebridades de Hollywood. Fenômeno global, o uso de métodos avançados para melhorar a aparência tem uma relevância peculiar na China, onde durante décadas de puritanismo comunista manifestações de vaidade eram interpretadas como hábito pequeno-burguês e até punidas. A cirurgia plástica, incipiente, só podia ser utilizada por razões médicas, os salões de cabeleireiro eram proibidos e espelhos em locais públicos eram vetados. O catálogo de horrores da Revolução Cultural é pródigo em casos de meninas humilhadas em público por usarem laços no cabelo ou tranças, sumariamente podadas. Aberta há duas décadas, a clínica de Tongfeng Ho passou um bom tempo às moscas, até que se solidificasse a idéia de que vaidade não é crime político. Hoje, a clientela aumenta a um ritmo de 50% por ano. "As pessoas fazem fila na porta da clínica com a voracidade de quem só comia marmita e agora tem à frente um banquete", compara o cirurgião.

Convidadas a provar do bufê da vaidade, as clientes mais jovens, sem os traumas do passado, servem-se à vontade. Em números relativos, para o país mais populoso do mundo, o acesso a cirurgias plásticas ainda é limitado. Mas, em números absolutos, a China já empata com os Estados Unidos – ambos registram 1 milhão de intervenções por ano. O Brasil é o vice-campeão, com 630 000 operações estéticas. Uma pesquisa da Universidade de Tsinghua, em Pequim, mostrou que 40% das 10 000 entrevistadas, entre 20 e 30 anos, já haviam se submetido a uma cirurgia estética. Outras 45% desejariam fazê-lo. "Perdi o medo do bisturi. O sacrifício é pequeno diante dos benefícios que esse tipo de cirurgia proporciona na China", diz a enfermeira Fang Lijun, de 21 anos, que há dois decidiu corrigir pela raiz os dois defeitos apontados por um médico em seu nariz: ponta grande e abas pequenas.

 

Paulo Vitale
IMPÉRIO DA BELEZA
O cirurgião plástico Zhao Xiao Zhong com sua cliente, a enfermeira Fang Lijun (acima), e Tongfeng Ho, dono de uma das clínicas mais badaladas do país (abaixo): nos tempos da Revolução Cultural, os dois médicos não tinham permissão para realizar operações com fins estéticos, e as manifestações de vaidade na China eram punidas até com prisão. Hoje, os consultórios comandados por ambos se tornaram negócios prósperos que fervilham de gente disposta a entrar na fila para se submeter a uma cirurgia plástica para melhorar a aparência. "Os chineses demonstram a avidez de quem só comia marmita e agora tem à frente um banquete", diz o cirurgião Tongfeng Ho
Antonio Ribeiro

A enfermeira se refere a fenômeno comum em qualquer lugar, mas especialmente relevante na China: as melhorias estéticas aumentam as chances de arranjar bons empregos. Baseadas nisso, seis de cada dez chinesas que se graduam na Universidade de Pequim declaram ter feito pelo menos uma plástica antes de sair em busca de trabalho. Mesmo em empregos banais persiste a exigência de que as mulheres tenham no mínimo 1,60 metro de altura, além da cláusula chamada wuguan duanzheng. Literalmente, quer dizer que "os cinco sentidos são regulares". Mas o verdadeiro significado é universal: boa aparência. Em lugar de condenarem a discriminação estética, órgãos do governo aderem a ela. No Ministério das Relações Exteriores, são vetados homens com menos de 1,70 metro e mulheres com altura abaixo de 1,60 metro. Uma ironia maior ainda quando se recorda que o homem que abriu as porteiras da modernização, Deng Xiaoping, tinha 1,50 metro. A altura considerada desejável também é atributo ressaltado pelas casamenteiras, profissionais especializadas em apresentar rapazes a garotas, e vice-versa, com fins matrimoniais. Nos casos mais extremos, baixinhos temerários recorrem ao aterrorizante Método Ilizarov, criado por um médico russo para tratar fraturas graves, nanismo e vítimas da poliomielite. Através dele, aumenta-se a altura depois de serrar os ossos das canelas e esticá-los com a ajuda de um aparelho metálico. "Esse tipo de operação ganhou espaço com a abertura econômica, que elevou à máxima potência a competição no mercado de trabalho", diz o cirurgião Zhao Xiao Zhong, um dos mais respeitados do país.

As plásticas mais procuradas pelas chinesas são as que produzem a desejada dobra na pálpebra, afinam o nariz e imprimem ao rosto um delicado formato oval (cirurgia popularizada como "a plástica do ovo de pata"). Lipoescultura para delinear quadris e próteses de silicone para inflar os seios também ingressaram no universo da estética chinesa. "Minhas clientes chegam ao consultório com a foto da Sophia Loren e dizem: 'Quero um seio igual ao dela'", conta o cirurgião Ruoy Chai. Para o olho "ocidentalizado", existe a alternativa de um fio de náilon que, encaixado nas pálpebras superiores, causa o efeito da dobra, mas os resultados são tão discutíveis quanto os do mar de cremes clareadores da pele, uma obsessão nacional. Os cirurgiões ouvidos por VEJA contam ainda que seus consultórios são o palco de um novíssimo fenômeno: os casais estão realizando plásticas aos pares. O objetivo é ver produzidos no rosto efeitos estéticos idênticos, sendo que narizes igualmente fininhos são os mais pedidos. O mercado da beleza cresceu 20% nos últimos cinco anos e ainda tem muito espaço para se expandir. Os números espelham a realidade de jovens como a atriz Cheng Li Li, de 23 anos, coadjuvante numa novela de época chinesa. Ela acaba de ter implantados na boca dois dentes cuja brancura exibe como um troféu. A atriz pesa 49 quilos, tem 1,60 metro e, embora não precise, faz dieta. "Estamos engordando porque descobrimos as maravilhas do chocolate suíço", diz Li Li. Ela é a cara da novíssima China.

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