Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 05, 2006

VEJA A turma de bem com a vida


A turma de bem com a vida

Consumo, games, grifes, visual bem
produzido: nisso, os jovens chineses
são iguais a todos os outros. Em que se
distinguem: estudam muito e até poupam!


Fotos Paulo Vitale

 

TCHIEN, TCHIEN, TCHIEN, TCHIEN
É assim que se diz dinheiro – qian – em chinês e esse é o som que anima uma juventude que estuda muito, quer ter sucesso na carreira e faturar. Mas o pessoal fazendo pose nesta foto está em outra: eles são dançarinos de tecno

Comprar, comprar, comprar. E comprar mais um pouquinho. Para os que não são assim tão ligados em consumo, o imperativo é outro: jogar, jogar, jogar. No computador, claro. Toda generalização é enganosa, ainda mais num país do tamanho da China. Mas saltam aos olhos os pontos em comum entre os jovens chineses urbanos e economicamente despreocupados e seus congêneres ocidentais. Na verdade, em alguns lugares, como Xidan, o bairro dos moderninhos de Pequim, os olhos chegam até a arder diante da quantidade de informações visuais, e a mente a se confundir: isso é China mesmo? Parece Japão, diante da criatividade das roupas e do esmero na produção, mas é China, sim. Nos corredores dos shopping centers cravejados de lojinhas onde as últimas novidades da moda jovem se empilham em quantidades atordoantes, as "garotas de Xidan", como já são chamadas pelo estilo peculiar, exercem o hiperconsumo como um direito natural. "A gente vem aqui umas três ou quatro vezes por semana", contam as amigas Xiao Yu e Xiao Lu, de roupinhas caprichadas, cabelos repicados e, como as japonesas, mãozinhas dadas. Ambas são devotas do mais universal dos fetiches da moda – a calça jeans. Quantas têm? "Umas vinte. Ou trinta", calcula Xiao Lu, docemente indiferente ao fato de que nunca na história da China existiu semelhante sinal de prosperidade coletiva.

CABEÇA FEITA
Não parece, mas a linda Ling Ling é um retrato do inacreditável índice de poupança interna da China, que bate em quase metade do PIB. "Todo mês, guardo 30% do que ganho", diz a jovem, em plena manhã de compras

Xidan é um reduto onde é possível topar com manifestações mais vanguardistas do comportamento jovem, como um ateliê de tatuagem em que quase se pode sentir o cheirinho de pele queimada ou um grupo de dançarinos – de tecno, esclarecem – recém-saídos de uma apresentação. As meninas fazem carinha de enfado quando perguntadas sobre marcas favoritas, como se isso fosse uma coisa muito, muito ultrapassada. Fora de seus limites, o comportamento é mais padrão: os jovens tomam cerveja mexicana, colecionam revistas americanas de moda, dançam ritmos latinos e, acima de tudo, se acabam de cantar nos karaokês (os de verdade, não aqueles nos quais existem salas com moças disponíveis a diversões mais profissionais). O fundo musical poderia ser, num paralelo com o Brasil, o tchien, tchien, tchien, tchien, tchien – nada a ver com dançarinas de shortinho; essa é a pronúncia aproximada de qian, dinheiro em chinês. Subir na vida e ter sucesso na carreira parecem ser objetivos universais. Também não é nada mau se cobrir de grifes da moda. Se possível, as autênticas, não as montanhas de jiade – as falsificações – que fazem a fama da China. "Para mim, uma roupa bonita é aquela que, além da marca, tem uma etiqueta bem grande", assume Zhang Chenking, 20 anos, estudante de letras.

 

GAROTAS DE XIDAN
Parece Japão, mas os jovens mostrados nestas imagens estão em Xidan, o bairro onde o pessoal moderninho vai caprichar na produção. "A gente vem umas três ou quatro vezes por semana", diz Xiao Lu (de blusa listrada e mãos dadas com a amiga). Fazer o quê? O mesmo que todo mundo: comprar, comprar, comprar

O consumismo declarado não é incompatível com a seriedade acadêmica, uma característica de tantos jovens chineses que alia a tradição oriental de dedicação aos estudos à realidade bem global de um mercado altamente competitivo. A mesma Zhang Chenking que desfila graciosamente produzida, com vestido sobre legging, mais tamancos Birkenstock e bolsa Gucci (verdadeiros), diz que tem o nada modesto objetivo de ser "referência nacional na minha carreira". Outra beldade flagrada numa manhã de compras – figurino: vestido esvoaçante em camadas e sandálias rasteiras enfeitadas com cristais – exemplifica a enorme capacidade de poupança dos chineses, característica raramente associada a jovens das sociedades de consumo. "Todo mês eu guardo 30% do meu salário para o futuro", diz Ling Ling, 28 anos, que é formada em comércio exterior e trabalha numa empresa de informática.

GARRA E GRIFES
Zhang Chenking, 20 anos, assume que adora grifes, mas não perde o foco nos estudos. "Quero ser referência nacional na minha carreira", diz a jovem estudante de letras de Xangai. Para afiar o inglês e ter a valorizada experiência internacional, vai ser mandada pelos pais para a Nova Zelândia

A geração abaixo dos 30 anos tem pouca ou nenhuma memória da grande erupção de aspirações liberalizantes que mobilizou jovens em todo o país e culminou na terrível repressão pelas armas, conhecida como o massacre da Praça da Paz Celestial, em 1989. Mais inconsistente ainda é a era das trevas da Revolução Cultural: pais e avós muitas vezes escondem as experiências pavorosas que viveram, por vergonha ou medo. Quando não o fazem, suas histórias reforçam a idéia de que os jovens atuais vivem tempos privilegiados. "Em comparação com meus familiares, estou na ilha da fantasia", diz o estudante Zhang Wei, de 20 anos. Dois avós dele foram mortos e seus pais passaram fome durante a Revolução Cultural. Zhang Wei fica pelo menos quatro horas por dia com os olhos grudados na tela de um computador num cibercafé de Xangai. Numa salinha reservada, trava demoradas disputas com os amigos em games on-line. Também navega por sites que o informam sobre o mundo do kung fu e a economia de outros países. "A internet abriu a minha cabeça", avalia. Como todo internauta, ele sabe que o governo censura as informações que trafegam pela rede. Mais ainda, tem consciência de que pode estar sendo vigiado por uma das incontáveis câmeras de vídeo que o governo mandou instalar em 1 325 cibercafés da cidade, para flagrar eventuais acessos a endereços da lista negra. Não se incomoda. "O governo sabe o que faz", diz Zhang Wei, refletindo a face cordata de uma juventude de bem com os tempos em que vive. "Eu me sinto livre para pensar, dizer e comprar o que quero na China", celebra a estudante Nüxiao Yan, de 20 anos, também da classe média de Xangai. "O resto é detalhe."

 

CAFÉ COM GAMES
"Estou me esbaldando com a internet", diz Zhang Wei, quatro horas diárias de cibercafé. Ele não liga para a censura nem para as câmeras que controlam a rede. "O governo sabe o que faz"

 

PICADA DO CORPO
Como nos países ocidentais, as tatuagens já foram coisa dos marginalizados. No passado, criminosos chineses eram tatuados no rosto. Hoje, a arte chamada de wen shen (desenho do corpo) ou ci shen (picada do corpo) é o orgulhoso emblema da vanguarda

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