Será que cabe mais um?
O país mais populoso do mundo
enfrenta problemas demográficos
imprevistos: a escassez de mulheres
e o envelhecimento da população
Monica Weinberg
Paulo Vitale |
DESCONTO NA FONTE O jovem casal não poderá ter mais do que um filho: a política de controle da natalidade fez reduzir em 30% o tamanho da população |
Do ponto de vista do resto do mundo, a questão populacional da China pode ser simplificada em três aspectos: tem gente demais, consumindo recursos demais e tudo só vai piorar. Do ponto de vista do país mais populoso do planeta, com 1,3 bilhão de habitantes – um quinto da humanidade –, os problemas são mais complexos: sobram velhos, faltam mulheres e uma de suas maiores vantagens competitivas, sob a forma de um oceano de mão-de-obra barata, está encolhendo. O primeiro e o último são os mais relevantes, em termos socioeconômicos, mas é o segundo, por motivos autoexplicativos, que mais chama atenção e provoca ansiedade. O déficit de mulheres é mais acentuado justamente na faixa em idade de casamento, entre os 20 e os 30 anos. São 100 mulheres para 120 homens, um desequilíbrio nessa faixa etária jamais registrado em nenhum outro lugar do mundo – a média mundial é de 106 homens para cada 100 mulheres. Qualquer humano do sexo masculino pode entender a angústia dos chineses que não encontram namorada, mas o drama é particularmente pesado num país onde há 3 000 anos se martela a máxima confuciana: "O descumprimento dos deveres filiais tem muitas formas, mas a pior delas é não gerar descendência".
A falta de jovens núbeis tem causado cenas impensáveis para os estrangeiros. Em solidariedade aos sem-namorada, grupos de pais vão a praças públicas de cidades como Pequim e Xangai, em determinados dias da semana, para agitar cartazes nos quais estampam fotos dos rebentos encalhados. O objetivo é atrair jovens dispostas a conhecê-los pessoalmente. Às vezes, funciona. A vida sem perspectiva de casamento pode provocar crises existenciais. Bem-sucedido profissionalmente, educado e agradável, o relações-públicas Eric Xin Tong, de 31 anos, confessa passar por momentos de profunda angústia por não ter conseguido arranjar uma namorada nos últimos dois anos. Outro dia, ele surpreendeu a família: diante da falta de perspectivas matrimoniais, anunciou que planeja abrir mão dos prazeres mundanos para tornar-se monge budista. "É difícil ficar sozinho", desabafa. Se depender de garotas como Wang Chuan, de 25 anos, o budismo ganhará um adepto. Bonita, sempre cercada por uma legião de candidatos a namorado, ela nem pensa em se casar – acha muito cedo. Aliás, uma pesquisa recente com jovens profissionais indicou que 12% delas não pretendem se casar nunca, convencidas de que o casamento é o cemitério da carreira. Vai faltar mais mulher na praça.
Paulo Vitale |
PARA ELE, A SAÍDA É O MOSTEIRO |
O bloco dos solteirões é um dos efeitos colaterais da política de controle de natalidade, implantada na China em 1979, com especial rigor nas cidades. Pela política do filho único, o Estado cobra uma multa sobre as crianças excedentes, que também não têm direito a matricular-se em escolas públicas. Essa legislação ainda está em vigor na maior parte do país, mas o enriquecimento de uma grande parcela da população e a flexibilização das regras permitem brechas maiores. O grosso de seus efeitos, porém, está sendo visto agora. Os chineses preferem filhos homens, como ocorre em outras sociedades patriarcais em que a mulher é desvalorizada, entregue à família do marido e, portanto, incapaz de assumir os cuidados com os pais na velhice. Diante da política do filho único, muitos casais recorreram ao aborto de fetos do sexo feminino – quando tinham acesso a exames indicativos, proibidos – ou ao antigo método de abandonar ao relento menininhas recém-nascidas. A idéia de que isso tenha produzido um paraíso para as solteiras, como Wang Chuan, que se dão ao luxo de escolher pretendentes acaba nos limites das cidades. Em regiões rurais, há casos de seqüestros de garotas, vendidas pelo equivalente a até 4 000 reais e escravizadas pelos maridos-patrões. Mesmo sem exemplos tão radicais, o déficit feminino pode gerar outros dois efeitos indesejáveis: o aumento da violência – fenômeno típico de sociedades em que faltam mulheres – e da já acelerada migração de homens do campo para a cidade, dessa vez em busca de esposas, não de empregos.
Apesar dos efeitos deletérios, sem a política do filho único a China contaria com 390 milhões de pessoas a mais, ou uma população 30% maior do que a atual. Com a interferência do Estado, o número de filhos por mulher numa típica família chinesa despencou de cinco, na década de 70, para o atual 1,7 – taxa de fecundidade menor do que a brasileira, de 2,2 filhos por mulher. Até 2030, o país deverá perder o posto de maior concentração populacional do planeta para a Índia. Malgrado tudo isso, a China tem muita, muita gente mesmo. A densidade populacional é de 136 pessoas por quilômetro quadrado (no Brasil, é de 21), e em nenhum outro lugar se tem mais a sensação de viver eternamente na saída do Maracanã em dia de clássico do que em áreas movimentadas de Xangai. Com a maior concentração populacional da China, a cidade empata com Tóquio como a campeã do mundo: 16 800 almas por quilômetro quadrado. Ren shan ren hai é uma expressão em chinês que acrescenta novas dimensões a seu significado – "mar de gente".
Paulo Vitale |
PARA ELA, SOBRAM HOMENS |