Comunistas de carteirinha...
...e cartão de crédito
O partido comunista que recriou as diferenças
de classes nem liga para as contradições e seus
militantes são focados: querem subir na vida
Monica Weinberg
Paulo Vitale |
BRAD PITT E BIG MAC Os universitários Wang Fang e Jiang Po são membros típicos do PCCh: ela pendurou em seu quarto fotos de Brad Pitt; ele festeja o McDonald's. Ambos almejam emprego no setor público. "Ser do partido certamente ajuda", diz Jiang Po |
O que é que tem nome de partido comunista, métodos de partido comunista, máquina de partido comunista, mas não é partido comunista? É, claro, o Partido Comunista Chinês (PCCh). Maior organização política do planeta, incentivador do mais acelerado surto de desenvolvimento econômico da história, promotor-chefe do capitalismo sem democracia, inventor do coquetel Marx-com-MBA, gigante todo-poderoso que se dá ao trabalho de perseguir cruelmente uns sujeitos que fazem ginástica em praça pública (a seita Falun Gong) e mandar tirar de cartaz um filme cujas obscuras discussões religiosas a imensa maioria dos chineses nem sequer entende (O Código Da Vinci), foco da mais deslavada corrupção e ao mesmo tempo fiscalizador inclemente que manda prender ou fuzilar corruptos – a lista de contradições pode continuar por um bom pedaço. Em qualquer outro lugar do mundo isso causaria no mínimo uma profunda crise existencial. Na China? É perfeitamente possível atravessar uma rua entre Mercedes buzinando, cruzar com pedestres que vestem Armani, tomar um café no Starbuck's mais próximo (conforme o bairro, tem um a cada 500 metros) e discutir o último plano qüinqüenal do governo comunista – provavelmente para identificar onde estão as boas oportunidades de negócios. Oficialmente, a China não vive mais sob uma ditadura do proletariado (ufa!), mas o partido ainda sustenta que o país está numa etapa de transição para uma sociedade socialista – como previsto na teoria que Karl Marx lançou mais de um século atrás, hoje enterrada na noite dos tempos. A impressão é que essa máquina de 70,8 milhões de filiados, fundada há 85 anos e há 57 no comando do país, sofre de um caso de dupla personalidade. Sofre, aliás, é força de expressão. É como se cada uma das personalidades seguisse contente e feliz por seu caminho. Basta uma conversa com Liang Yanshun, diretor da Escola Central do PCCh, formadora de quadros do partido e espécie de guardiã da teoria comunista, para comprovar essa tese. "Fui ao Japão e morri de inveja da pujança deles", assume Liang.
Paulo Vitale |
O BOM PARTIDO
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"No papel, o partido ainda parece ser o mesmo do passado, mas a realidade é dramaticamente diferente", escreveu Kishore Mahbubani, um especialista em políticas públicas da vizinha Cingapura – uma espécie de China ao contrário: é minúscula e anticomunista, mas tem o mesmo vezo autoritário. "Depois de mais de um século de desgoverno, a China é comandada atualmente pela melhor classe dirigente que já teve em muitas gerações." Classe dirigente, por sinal, tratada em parte com o que o mundo tem de melhor em matéria de ensino. Recentemente, o governo chinês anunciou que vai patrocinar a viagem de uma nova leva de filiados de alto escalão para estudar técnicas de administração pública em universidades americanas e européias. Eles enchem a boca para anunciar no idioma original o nome dessas instituições. "Rá-var-di, the best, the best!", diz Guo Xiangyuan, do Ministério da Educação.
Estabilidade e prosperidade são a dupla mágica que permite ao partido não só permanecer no comando de um gigantesco quebra-cabeça de 1,3 bilhão de habitantes, mas conseguir altos índices de aprovação, na medida em que podem ser detectados, e um bom índice de renovação de quadros, mesmo com uma folha corrida que combina retórica ultrapassada, abomináveis erros históricos, práticas ditatoriais, nepotismo e corrupção. Uma das razões para isso está cravada na essência do que hoje move a sociedade chinesa: um aguçado senso de pragmatismo aliado à idéia de progresso individual. Há pessoas que ambicionam pregar um broche do Partido Comunista na camisa (o boné estilo Mao Tsé-tung está definitivamente fora de moda) porque isso pode lhes trazer benefícios concretos. E elas não são poucas. Uma filiação facilita a busca por emprego no pródigo funcionalismo público do país – são 105,3 milhões de nomes na folha de pagamento! –, sinônimo de estabilidade e salários razoáveis. É esse o motivo para a adesão em massa de estudantes (734 000 só no ano passado), como o casal de universitários Wang Fang, 27 anos, e Jiang Po, 29. Wang Fang preferiu pregar na parede de seu quarto um pôster de Brad Pitt à foto de Mao Tsé-tung. Jiang Po lembra a chegada do sanduíche Big Mac à China como um dos benefícios proporcionados à sua vida pelo partido. Não há nenhuma sombra de ideologia comunista no discurso dos dois estudantes. Como tantos outros, eles confessam que karaokê é mais divertido do que uma reunião do PCCh. "Estar nos quadros do partido pode garantir nosso futuro na China", resume o rapaz.
Outra leva recente de filiados vem da classe empresarial. Até 1978, os empresários eram barrados por ser vistos como a expressão do pensamento burguês. Hoje, eles são bem-vindos. Dos 400 homens mais ricos do país, 20% são filiados ao partido. Sob as asas oficiais, estreitam as relações com o poder, sem as quais qualquer negócio na China se torna praticamente inviável. Nada menos que 81% dos presidentes das empresas são nomeados pelo partido. Vários filiados sonham fazer vingar uma carreira executiva por meio dessa poderosa engrenagem política, caso de Wang Zhihe, de 61 anos. Ele é vice-gerente-geral da joint venture da qual participa a brasileira Embraco. "Se eu tiver um bom desempenho nessa função, minha posição na empresa melhora", diz Zhihe.
Antonio RIbeiro |
NADA ENQUADRADO |