Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 05, 2006

VEJA O caso do capitalista vermelho


O caso do capitalista vermelho


Vilma Gryzinski


Paulo Vitale
O PENSAMENTO DO PRESIDENTE YIN
O dono do grupo Lifan adverte: "Quem não dá duro no trabalho hoje vai dar duro procurando emprego amanhã"

No começo do ano, o empresário Yin Mingshan tornou-se uma espécie de símbolo de como o Brasil parece fazer coisas erradas, enquanto a China acerta todas. Yin é dono do Lifan Group, que produz motores, motocicletas e, ultimamente, automóveis. Virou notícia quando anunciou que pretendia comprar a Tritec, fábrica de motores construída pela americana Chrysler e pela alemã BMW em Campo Largo, localidade paranaense nas franjas da região metropolitana de Curitiba. A fábrica seria desmanchada, embarcada e remontada na cidade de Chongqing, um vulcão de atividade industrial no coração da China, numa iniciativa que eliminaria empregos brasileiros e tecnologia estrangeira de ponta. Os chineses, claro, ficariam com ambos. Segundo a Tritec, nunca existiu proposta alguma. Yin, que importa os motores da Tritec desde o ano passado, diz que continua interessado. "Mas mesmo se comprarmos a fábrica não vamos desmontá-la. Ela vai continuar lá", declarou ele a VEJA.

Discutir a venda de uma fábrica que tem problemas de capacidade ociosa, ou simplesmente porque apareceu uma boa oferta, faz parte da lógica capitalista. O espantoso é que essa mesma lógica esteja sendo aplicada por alguém como Yin Mingshan, um homem que dos 20 aos 40 anos viveu entre a prisão e os campos de "reeducação" implantados na fase tétrica do regime comunista e só aos 50 começou a testar as águas da livre-iniciativa. Hoje, aos 68, ele tem um lugar relativamente modesto na lista das 200 maiores fortunas da China – 130 milhões de dólares –, mas sua empresa ocupa uma posição ímpar: é o maior grupo de capital inteiramente privado num país onde todo mundo que conta tem de ter um sócio estatal. Yin é propositadamente vago quando fala no papel do Estado na economia – "O mais importante é não atrapalhar", diz. Isso não significa que seja um paladino da iniciativa privada pura e dura. Atenção, estamos na China e é por isso que esse homem de saúde frágil candidatou-se a entrar para o mesmo partido que o supliciou durante 21 anos em nome da pureza ideológica (ainda não foi aceito, mas trabalha em estreita comunhão com a cúpula comunista e ocupa altos cargos na hierarquia administrativa de Chongqing, o que lhe valeu o apelido de "capitalista vermelho"). "O partido tem agido de maneira muito inteligente", diz. Sobre o período que passou preso, pelo crime de amizade com um colega de classe que tinha parentes nos Estados Unidos, e depois sendo "reeducado" através do trabalho forçado no campo e numa fábrica, ele faz uma reflexão estóica: "Naquele tempo, muita gente se matava, mas eu sou do tipo de pessoa que agüenta esse sofrimento".

Yin conta que também "aproveitou" suas décadas perdidas para ler muito, inclusive em inglês, que aprendeu sozinho e, embora não fale, utiliza numa versão algo extravagante para traduzir do chinês os slogans bilíngües estampados em todas as suas fábricas. O manual do pensamento empresarial do presidente Yin mistura declarações de princípios, incentivos e admoestações. "Quem ganha dinheiro na China é um vencedor; quem ganha dinheiro fora é um herói", diz um deles, numa estranha espécie de reprodução com sinal invertido das palavras de ordem da Revolução Cultural. "Se a Lifan não conseguir criar uma marca famosa, nossas motocicletas serão apenas um monte de ferro-velho", diz outro. "Quem não dá duro no trabalho hoje vai dar duro procurando emprego amanhã", adverte um terceiro. Para divulgar a marca Lifan, Yin comprou um time de futebol, rebatizou-o com o nome do grupo e tem grandes planos para ele. Obviamente, reconhece a superioridade brasileira nessa área. "Tanto os jogadores quanto o maquinário produzidos no Brasil são muito bons", elogia, pensando talvez no dia em que os motores da fábrica de Campo Largo serão todinhos seus.

Arquivo do blog