Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 12, 2006

O capitalista da Folha

veja

Como a capacidade empreendedora
de Octavio Frias de Oliveira, dono da
Folha de S.Paulo, ajudou a profissionalizar
a imprensa brasileira


Mario Sabino

 

Jorge Araujo/Folha Imagem
Frias: "Se você quiser fazer dinheiro, encontre uma necessidade e a preencha"

"É muito bom para o empresário produzir coisas palpáveis, como leite, carne, frango. Jornal não é uma coisa palpável", diz a certa altura Octavio Frias de Oliveira no livro que trata de sua vida (A Trajetória de Octavio Frias de Oliveira, de Engel Paschoal; Mega Brasil; 332 páginas; 44 reais). A frase ilustra aquela que é, segundo registra o autor da biografia, a grande frustração profissional de Frias: o fim da Granja Itambi, de sua propriedade. Soa estranho que o dono da Folha de S.Paulo se sinta tão frustrado com o fechamento de uma granja e considere impalpável o negócio do jornalismo, mesmo que o jornal em questão seja o de maior circulação do país. Mas esse estranhamento desaparece quando se examina de perto o seu percurso. Na verdade, a vida de Frias esteve longe de ser, com o perdão do trocadilho profissional, pautada pelo jornalismo. Tornar-se integralmente um homem de imprensa deveu-se mais às contingências do que a uma vocação. Foi o negócio que deu certo, depois que outros, bem palpáveis, falharam. Entre eles, o de banqueiro, incorporador imobiliário, dono de corretora e proprietário da rodoviária paulistana. Em outras palavras, o que sempre animou Frias, hoje com 94 anos, foi o espírito empreendedor, a vontade de ganhar dinheiro – as possibilidades, enfim, propiciadas pelo capitalismo.

Tem-se no dono da Folha um caso extraordinário de empresário brasileiro que não tem medo de dizer que gosta de lucro. O receio da maioria dos semelhantes a Frias é compreensível: paternalismo, compadrio governamental e esquerdismo disseminado contribuem para a formação de um ambiente muito hostil ao capitalismo – àquele de verdade, frise-se, de extração bem "neoliberal", no qual empresas fecham, abrem e o contribuinte não tem de pagar por isso. Frias não fez jornalzinho na escola, jamais teve veleidades políticas ou mostrou "paixão pela notícia". Aos 50 anos recém-completados, decidiu comprar a Folha apenas porque lhe pareceu uma boa oportunidade de faturar alto. O jornal, do qual ele vendia assinaturas por meio de sua corretora, foi adquirido em agosto de 1962, em parceria com Carlos Caldeira, um empresário santista que era seu sócio na antiga rodoviária paulistana.

 

Evelson de Freitas/Folha Imagem
"Eu tenho muita admiração pelo Frias. Ele tem uma história fascinante. Ele é um self-made man. Aquele barão não sei das quantas, lá atrás, de quem ele descende, não tem nada a ver com o Frias. O Frias se fez sozinho. Eu gosto dele."
Trecho do depoimento de FHC que consta do livro A Trajetória de Octavio Frias de Oliveira

Fecharam o negócio numa sexta-feira, por meio de um cheque que teria fundos na segunda seguinte. A dúvida se havia dado um passo certo logo assaltou Frias: "Na primeira semana que eu passei lá eu só queria saber para quem eu ia empurrar a Folha. Porque me arrependi, e como. É verdade que logo no primeiro mês deu lucro operacional, mas tinha um passivo grande. Eu e o Carlos Caldeira pensamos: 'Que besteira nós fizemos'". Se era para tocar o jornal, e não empurrá-lo para um incauto, que fosse, então, do jeito certo – capitalista. Antes de mais nada, os dois empresários se lançaram à tarefa de organizar as finanças e melhorar a distribuição da Folha. Somente em 1965 contrataram um jornalista experiente para tocar a redação: o mercurial Cláudio Abramo, que havia dirigido o Estadão, publicação da qual todas as demais comiam a poeira em São Paulo. Na contratação de Abramo, Frias deparou com uma peculiaridade do ramo – havia um "comitê de redação" que rejeitava o novo diretor. Para contornar o problema, o jornalista foi deixado na geladeira, até que a área fosse limpa e Abramo pudesse fazer o seu trabalho.

Um ano depois da compra que causou o arrependimento inicial, com o trabalho de estruturação ainda em andamento, a Folha já havia se tornado o maior jornal de circulação paga do Brasil. Desde então, a empresa não perdeu o ritmo, apesar dos percalços da economia nacional, criando outros jornais e explorando novas áreas ligadas à informação. Não há quem não reconheça que, ao lado de Victor Civita, fundador da Editora Abril, que publica VEJA, e de Roberto Marinho, das Organizações Globo, Frias compõe a tríade de empresários que imprimiram profissionalismo à imprensa brasileira a partir da segunda metade do século XX.

O grande salto comercial e institucional da Folha ocorreria no início da década de 80, com a abertura política. O jornal tornou-se, então, uma espécie de porta-voz dos anseios democráticos da sociedade. O dado curioso é que pouco antes, em meados dos anos 70, a Folha fora acusada de colaborar com os porões do regime militar, depois que se descobriu que carros da empresa estavam sendo usados para caçar terroristas de esquerda. Ameaçado de morte por integrantes da tal luta armada, embora jurasse nada saber do assunto, Frias, juntamente com a família, viu-se obrigado a entrincheirar-se na sede do jornal, no centro de São Paulo, onde morou por alguns meses. O afrouxamento da ditadura propiciou que o empresário concretizasse, agora na sua encarnação editorial, uma lição do capitalismo americano que ele gosta de recitar – "If you want to make money, find a need and fill it". A necessidade que foi preenchida e que ajudaria a sua empresa a crescer ainda mais: a de um canal de expressão para as opiniões dissonantes que se levantavam contra a ditadura, depois que a tampa da panela de pressão fora retirada. Surgem, assim, o "pluralismo" e o "apartidarismo" da Folha ("cacofonia", dizem os críticos mais acerbos do jornal).

A Trajetória de Octavio Frias de Oliveira esmiúça a contento a vida pessoal e empresarial de seu protagonista, embora peque, como é natural em se tratando de biografia autorizada, pelo tom hagiográfico. Tom que é quebrado justamente pelos depoimentos de Frias, que pontuam o livro. Não parece haver ninguém menos interessado na automitificação. Sua sinceridade é uma delícia. Ele confessa ter sido usurário quando acumulava capital, ainda jovem ("Esse crime de usura eu pratiquei muito. Mas nunca fiz isso com pessoa física, só com empresa. Eu não queria ter que apertar o miserável"), e narra divertido a parceria comercial, na década de 50, com aquele que é considerado a besta-fera do conservadorismo brasileiro, Carlos Lacerda ("Eu bolei placas para o Carlos Lacerda e cobrava as placas. Inundei o Rio de placas do Carlos Lacerda, com 30% de comissão. Tudo o que imaginava com a efígie de Carlos Lacerda, eu vendia. Vendi o Lacerda de tudo que era jeito, em placas, em emblema, em tudo. E com 30% de comissão, como sempre. Era uma loucura de dinheiro. Então, ficamos muito amigos").

"É imoral perder dinheiro em negócios", também gosta de dizer Frias. Quando um capitalista não perde dinheiro graças à liberdade de expressão e de opinião, todo mundo sai ganhando.

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