Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, agosto 02, 2006

Presidente em tempo parcial Editorial O Estado de S. Paulo




2/8/2006

O presidente Lula acaba de resolver o seu segundo alegado dilema envolvendo a reeleição. O primeiro, como se recorda, era o de ser ou não ser candidato a um segundo mandato - puro jogo de cena porque candidatíssimo estava desde quando pôs os pés no Planalto e tudo o que queria era fazer campanha sem ser acusado de tirar proveito dos recursos de poder indissociáveis do exercício da Presidência da República. O segundo dilema Lula encenou sábado passado num comício em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. "Nunca sei quando sou candidato e quando sou presidente", discursou, queixando-se da "coisa meio complicada" que é a sua dupla condição.
Mas ele resolveu não perder mais tempo com lamúrias - e descomplicou de vez, tirando da consciência o peso que fazia questão de ostentar. Agora ele já sabe quando será candidato e quando será presidente. Será candidato, assumidamente, todo dia, embora não o dia todo. No tempo que restar, será presidente, menos nos fins de semana, que ninguém é de ferro e eleição é assunto sério, exigindo o máximo de dedicação. É oficial: o coordenador da agenda da campanha reeleitoral, César Alvarez, antecipou anteontem à imprensa a rotina a que o incansável candidato e laborfóbico presidente se submeterá a partir da próxima segunda-feira, de acordo com o princípio enunciado pelo dirigente petista Ricardo Berzoini: "Presidente não bate ponto." No primeiro dia útil da semana, Lula se reunirá com o conselho político da campanha, integrado pelos líderes dos partidos da sua base parlamentar (PT, PC do B, PSB, PMDB, PL, PTB e PRB). Para que não se o acuse de negligência durante o serviço, ele simplesmente decidiu abreviar a jornada de trabalho nesses dias. Para todos os efeitos, o expediente presidencial terminará com o sol ainda no horizonte, às 17 horas, quando começará o expediente da campanha, nos encontros com o Politburo da reeleição. Decerto o mesmo se repetirá às terças, do contrário o candidato poderá se atrasar para os sagrados compromissos dessas noites - comícios em cidades próximas a Brasília.
As noites de quarta foram reservadas para o presidente caçar votos na capital mesmo, embora a operação nem sempre se restringirá a eleitores do Distrito Federal e cercanias. Às quintas, logo cedo, gravará programas para o horário eleitoral e só depois cuidará do País - no Planalto ou nas viagens de "inspeção de obras" pelo território nacional. "Se nas campanhas anteriores, quando o PT era oposição, a demanda pela presença de Lula nos eventos era três vezes superior ao que ele podia cumprir, imagine agora", compara o coordenador Alvarez, que deve considerar negligível a diferença entre os eventos para os quais se demandava a presença do candidato oposicionista e aqueles que requerem o presidente em pessoa.
Mas ele não será um solitário campagnaird. A pretexto de divulgar as ações do governo em resposta às críticas da oposição e ver a quantas andam os seus respectivos setores pelo Brasil afora, também diversos ministros se deslocarão para fazer proselitismo junto a públicos específicos e manter contato com puxadores de votos nas áreas, sociais ou geográficas, em que se consideram populares. De todo modo, nem o presidente, nem os seus auxiliares chegarão onde tiverem de chegar de mãos abanando.
Na semana passada, a imprensa revelou que na véspera da viagem de Lula ao Rio Grande do Sul e Santa Catarina - onde o seu patrimônio eleitoral não é propriamente "nordestino" -, o governo anunciou um repasse de R$ 612 milhões em recursos federais para a região. "Não vejo problema nenhum", deu de ombros o ministro do Planejamento, paulo bernardo.
Fica-se tentado a imaginar quantas divisões Lula despachará ao campo de batalha sucessório, sem a mais remota preocupação em separar o que é público do que é eleitoral, se começar a fraquejar o seu favoritismo nas pesquisas. Também a julgar pela cada vez maior supremacia do candidato sobre o chefe do governo - o que se suporia dispensável dada a sua robusta vantagem nos levantamentos de intenções de voto - caso se concretize a hipótese de um segundo turno entre ele e o desafiante Geraldo Alckmin, o mês de outubro registrará, aí sim, o completo sumiço do presidente, substituído por seu então onipresente alter ego. Nessa eventualidade, melhor para o País, para a regra da reeleição e até para as suas próprias aspirações, que se licencie do Planalto.

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