Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, agosto 02, 2006

CELSO MING Suave fracasso

ESTADO

Se não há o que mudar na atual política econômica, pode-se, pelo menos, mudar as cabeças. O ministro Guido Mantega é prova cabal disso, como ontem ficou demonstrado no 3º Fórum de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Antes de assumir o cargo de ministro, Mantega era um proeminente crítico da política econômica do governo Lula. Ontem, ele mostrou enorme entusiasmo com o que está acontecendo. Está em curso, disse ele, um novo ciclo de desenvolvimento sustentável, com estabilidade de preços, responsabilidade fiscal e redução da vulnerabilidade externa. Não há novo projeto a alinhavar; o projeto é manter a marcha do modelo atual, que desembocará em mais riqueza, mais emprego, mais salário e melhor distribuição de renda.

Mantega mudou seu ponto de vista sobre outra questão crucial: câmbio. Para ele, estão errados os que identificam uma valorização do real diante do dólar, consensual entre os exportadores. Para incredulidade geral, Mantega exibiu um gráfico colorido onde ficou demonstrado que, em comparação com as moedas de 15 países para os quais o Brasil exporta, o real está no mesmo nível de janeiro de 1994 (pouco antes do Plano Real) e de janeiro de 2000 (já na livre flutuação). Conclui-se que estão equivocados os que sustentam que está tudo errado no câmbio.

Mas a questão central debatida ontem foi se o Brasil, como estado-nação, tem condições de formular e desenvolver uma estratégia nacional de desenvolvimento, como teve no período entre os governos Vargas e Geisel.

O ex-ministro e embaixador Rubens Ricupero identifica dois modelos básicos. O que está sendo posto em prática neste governo e no anterior, que, para evitar o termo "neoliberal", chama de "projeto estabilizador"; e o outro que, para evitar o termo "nacionalista", chama de "projeto desenvolvimentista".

Para Ricupero, os principais objetivos da atual política econômica são obter grau de investimento para os títulos da dívida pública brasileira (confiança máxima), aprofundar a inserção financeira internacional e deixar que o mercado defina que setores irão se expandir. O projeto exige âncora cambial (dólar relativamente barato) e juros altos.

Os desenvolvimentistas querem forte intervenção do Estado, incentivos para a expansão de setores industriais, juros no porão, real permanentemente desvalorizado diante do dólar (para incentivar exportações) e Banco Central postado junto à porteira para decidir a qualquer momento que capitais podem entrar ou sair do País.

Ricupero entende que não há condições políticas para levar adiante uma proposta dessas. Para ele, uma coalizão formada por técnicos do governo, empresários, trabalhadores e políticos (aí incluídos a CUT e o PT - "porque eles acabaram aceitando") sustenta o modelo atual, o estabilizador, que, para todos os efeitos, é um projeto nacional. Não há possibilidade de mudar. No máximo, pode-se enxertar uma proposta inovadora, mas "será no tronco desta árvore".

No contraponto, o professor Gilberto Dupas, crítico do "pensamento hegemônico", entende que só haverá crescimento sustentado se o Estado brasileiro seguir os caminhos trilhados por China, Índia e Rússia, eleger políticas ativas de desenvolvimento e os colocar em marcha à moda antiga. O professor de Ciência Política, da USP, Cícero Araújo, advertiu que políticas nacionalistas exigem esforço extra e tendem a apoiar governos autoritários. Políticas neoliberais encorajam regimes democráticos.

O historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira pareceu escandalizado com a observação de Ricupero de que o modelo "neoliberal" possa ser considerado projeto nacional. "É comandado por brasileiros, mas estão a serviço dos Estados Unidos." O professor Paulo Nogueira Batista Júnior, da FGV, pediu mudança de rumos e uma política econômica focada no desenvolvimento dos interesses da América do Sul e não no dos Estados Unidos.

O economista Patricio Meller, da Universidade do Chile, estranhou a idéia de uma estratégia sul-americana: "Os argentinos não são confiáveis. Acertaram com o Chile uma política energética comum, mas caíram fora quando bem entenderam."

A mensagem final é a de que se pode chamar o atual modelo de "suave fracasso" (pelo baixo crescimento), como observa Ricupero, mas uma mudança importante está fora de cogitação, como mostra o debate eleitoral.

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