Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, agosto 01, 2006

Perigos do mundo sem Doha Editorial O Estado de S. Paulo





1/8/2006

Aqueles que acreditam na reativação da Rodada Doha de negociações comerciais não podem perder tempo. Não será suficiente realizar o quase milagre de juntar os cacos desse projeto e criar condições para um acordo entre cerca de 150 países. Será preciso concluir o trabalho antes de julho de 2007, quando terminará o mandato negociador do presidente dos Estados Unidos. Com esse mandato, ele pode assinar tratados comerciais sujeitos a aprovação, mas não a emendas, pelo Congresso. Se a oportunidade for perdida, ninguém pode prever quando o presidente conseguirá uma nova autorização, nem, portanto, quando se poderá retomar uma discussão global sobre comércio.

A representante de Comércio dos EUA, Susan Schwab, escolheu o lugar certo para iniciar seu trabalho de mobilização para mais um esforço de salvação da rodada. Reuniu-se no Rio de Janeiro com o chanceler Celso Amorim, e encontrou, como era previsível, boa disposição para mais uma tentativa. O governo brasileiro não concluiu nenhum acordo de primeira grandeza nos últimos quatro anos e só tem um objetivo realmente importante em sua agenda: o sucesso das negociações globais.

Mas a boa disposição do governo brasileiro tem utilidade limitada para o esforço de reativação - praticamente de ressurreição - da Rodada Doha. Como coordenador do Grupo dos 20 (G-20), formado por economias emergentes interessadas na reforma do comércio agrícola, o Brasil pode contribuir para aproximar posições. Pode, por exemplo, tentar convencer a Índia a também aceitar uma abertura de seu grande mercado a importações agrícolas. Esse foi um dos temas discutidos entre Susan Schwab e Amorim. O último grande impasse, no entanto, foi entre Estados Unidos e União Européia.

Se os europeus concederem maior acesso a seu mercado e os americanos cortarem, de forma substancial, os subsídios internos a seus agricultores, um grande acordo ficará bem mais próximo. A última tentativa dos negociadores empacou nesse ponto. O novo esforço da representante Susan Schwab será improdutivo, se a discussão com os europeus não for reaberta num prazo de um mês ou pouco mais.

Amorim e Susan Schwab reafirmaram, no Rio, o compromisso de trabalhar por um acordo ambicioso. Não interessa ao Brasil, disse o chanceler, renunciar às ambições iniciais da rodada para obter um resultado medíocre. Em vez disso, valerá a pena correr o risco de perder mais uns dois anos para concluir um trabalho de maior envergadura. A representante americana expressou opinião semelhante.

Nesse caso, restarão os acordos bilaterais, regionais e inter-regionais, um processo especialmente difícil para o Brasil, dadas as condições do Mercosul. A articulação do bloco para negociações externas deverá ficar mais complexa com a participação da recém-admitida Venezuela. Mas o comércio internacional, segundo os otimistas, não vai deixar de crescer e as exportações brasileiras poderão continuar em expansão. O País apenas deixará de colher os benefícios de uma rodada global bem-sucedida.

Mas o custo real do fracasso de Doha - ou de um atraso muito grande em sua conclusão - será quase certamente maior. Mais acordos bilaterais e regionais, celebrados por países com melhores condições políticas para negociar, tornarão o sistema de regras bem mais complicado e menos transparente. Além disso, deverão ocorrer novos desvios de comércio e de investimentos, com prejuízo para os países menos envolvidos em acordos com os mercados mais desenvolvidos. Também é previsível, como admitiu a representante americana, a multiplicação de litígios comerciais. Disputas legais entre concorrentes são até certo ponto normais. Quando se tornam muito freqüentes, envenenam a atmosfera dos negócios e impedem o desenvolvimento saudável da cooperação.

Depois, há o risco de enfraquecimento da OMC. Se isso ocorrer, a ordem multilateral será comprometida e os mercados ficarão sujeitos, bem mais do que hoje, à truculência dos mais fortes. Poderá haver custos para todos, mas o Brasil, muito provavelmente, estará entre os mais prejudicados. A diplomacia comercial brasileira não deveria menosprezar nenhuma dessas hipóteses.

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