Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 12, 2006

Para encantar os olhos

Para encantar os olhos

Novas frutas, legumes e cereais
híbridos tornam as refeições
mais coloridas e saborosas


Rafael Corrêa


Fotos divulgação
MARACUJÁ ROXO
Menos ácido e mais doce que o maracujá convencional.

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Há tempos os agricultores cruzam variedades de uma mesma planta para aumentar a produtividade nas lavouras. Agora, essa prática serve a outro objetivo: tornar os alimentos do dia-a-dia mais coloridos e práticos de comer. Em alguns mercados brasileiros já se podem encontrar legumes, frutas e cereais de aparência surpreendente. É o caso dos pimentões roxos, brancos e em tom de chocolate. Nos supermercados europeus os novos alimentos híbridos já são comuns. Nos Estados Unidos, muitas mães descobriram que as cenouras do tipo rainbow, vermelhas, amarelas e cor de laranja, são um bom recurso para estimular filhos teimosos a comer legumes. Quem gosta de servir melancia à família sabe o incômodo de carregar aquela esfera pesada como chumbo do mercado até a mesa. A melancia solinda, atualmente cultivada em estados do Nordeste e que deve chegar aos mercados do Sul até o fim do ano, promete acabar com esse problema. O fruto tem um terço do tamanho da melancia convencional – ainda por cima, não tem sementes e sua polpa é mais suculenta. "O foco do melhoramento genético sempre esteve em trazer benefícios para a produção. Agora estamos focados no consumidor", diz Esteban Gastaldi, diretor de vegetais da Syngenta, multinacional da área de sementes que desenvolveu a solinda.


ARROZ PRETO
Nativo da Ásia, já produzido no Brasil. Tem sabor semelhante ao de castanhas. Possui mais fibras que o arroz branco integral
MILHO VERMELHO
Para quem gosta de comer na espiga: os grãos são mais doces e macios. Semelhante ao milho cultivado antigamente em fazendas americanas

Em alguns casos, as cores dos alimentos, além de cumprir uma função estética, lhe emprestam maior sabor e valor nutritivo. O maracujá roxo desenvolvido pelo Instituto Agronômico (IAC), de São Paulo, é mais doce e menos ácido do que o fruto amarelo, popular em todo o país. O milho vermelho criado pela Seminis, outra multinacional da área de pesquisa agrícola, é especial para quem gosta de comer os grãos direto na espiga – eles são mais doces e macios. Uma variedade de alface com as folhas totalmente roxas, desenvolvida por pesquisadores da Universidade de São Paulo, tem maior teor de substâncias antioxidantes – que ajudam no combate ao envelhecimento – do que outras espécies de alface consumidas no país. "Gastamos apenas 2.000 reais para criar uma hortaliça que, além de bonita, serve como alimento funcional", diz Cyro Paulino da Costa, um dos criadores da nova alface. A cor alaranjada da couve-flor cheddar, cujas sementes são vendidas pela Seminis, faz com que a planta contenha 25 vezes mais betacaroteno do que uma couve-flor convencional. Essa substância é fonte de vitamina A, indispensável para o bom funcionamento da visão.


Matinho Caires
ABACAXI EM GOMOS
Evita o trabalho de descascar o fruto: depois de aberto, ele se desmancha em gomos, como uma fruta-do-conde. Em breve nos supermercados brasileiros


CENOURAS COLORIDAS
Um grande sucesso nos Estados Unidos, onde são usadas pelas mães para atrair crianças que costumam fazer cara feia para os legumes

Antes que as frutas, os legumes e os cereais divertidos despertem a ira da turma antitransgênicos, é bom esclarecer que esses alimentos não sofrem manipulação de DNA, embora os conhecimentos atuais no campo da genética contribuam para sua criação. Os novos alimentos são resultado do processo conhecido como hibridização, em que os pesquisadores "cruzam" os vegetais sucessivas vezes. "É um processo de tentativa e erro. Combinam-se as duas variedades, plantam-se as sementes, selecionam-se os melhores frutos e faz-se tudo de novo até conseguir as características desejadas. A diferença é que hoje esse processo pode durar metade do tempo graças ao uso de marcadores moleculares, que indicam se a experiência está no caminho certo", explica o pesquisador da Embrapa Leonardo Boiteux, criador da abóbora brasileirinha, de casca metade verde metade amarela e com alto teor de betacaroteno. Os marcadores moleculares funcionam como mapas dos trechos de DNA responsáveis por gerar as características desejadas. No caso da abóbora brasileirinha, Boiteux identificou os genes que causam a aparência bicolor. Dessa forma, conseguiu desenvolver a variedade em quatro anos – há uma década, esse tipo de experiência não levaria menos de oito anos.


The New York Times
MINIMELANCIA
Com um terço do tamanho da melancia comum, é muito mais fácil de carregar e guardar na geladeira. Além disso, não tem sementes e sua polpa é mais suculenta

O melhoramento genético permite também que os pesquisadores brasileiros criem versões nacionais de alimentos exóticos. Como o arroz preto, que no passado era servido na China apenas aos imperadores e à sua corte. O IAC criou uma variedade de arroz preto, já incluída no cardápio de alguns restaurantes de Campos do Jordão, na região serrana de São Paulo. Antes, a iguaria, que tem um sabor semelhante ao de castanhas, era importada principalmente da Itália e vendida a quase 50 reais o quilo. Os cientistas cruzaram o produto chinês com variedades de arroz já adaptadas ao clima do Brasil. O abacaxi gomo-de-mel, também resultado das pesquisas do IAC, é uma versão brasileira de um abacaxi nativo da Ásia. Leva esse nome porque é bem doce e não precisa ser descascado – depois de aberto, sua polpa desmancha-se em pequenos gomos, como se fosse uma jaca ou uma fruta-do-conde. Atualmente, mudas do gomo-de-mel estão sendo distribuídas para produtores de todo o país. "Em breve, a expressão descascar o abacaxi vai perder o sentido", brinca Ademar Spironello, engenheiro agrônomo e criador do novo abacaxi.

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