Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 19, 2006

O presidente Lula se rende ao Botox.




VEJA
No partido do botox
cabe todo mundo

Até o presidente Lula se rendeu
à substância que puxa, estica
e rejuvenesce


Juliana Linhares


Teve início, na terça-feira passada, o horário eleitoral gratuito na TV. Além de proporcionar aos eleitores a chance de conhecer com mais profundidade as propostas de cada um dos presidenciáveis, o programa expõe de maneira intensa a imagem dos candidatos. Sob o foco dos refletores e marcação implacável das câmeras, cada ruga, cada ondulação do cabelo, cada trejeito corporal se combinam para formar uma espécie de assinatura visual dos candidatos. Como eles e seus gurus do marketing sabem, é vital projetar uma imagem de vigor físico, acuidade mental, firmeza e, se possível, também lançar olhar inteligente para os milhões de telespectadores. Nesse esforço vale tudo: maquiagem, iluminação adequada, enquadramento favorável, roupas de cores sóbrias. Neste ano uma novidade foi incorporada ao arsenal de construção da imagem dos candidatos, o Botox, tradicional aliado das mulheres em seu repto pelo prolongamento da juventude.

O exemplo vem de cima. O presidente Lula aderiu ao partido do Botox. Ele vem se mostrando na televisão com uma face mais lisa, mais firme e mais jovem graças a sucessivas aplicações de Botox – a toxina que puxa, estica e remoça, item obrigatório nos pacotes de beleza oferecidos pelas clínicas dermatológicas . O embotocamento de Lula foi feito pela clínica paulista Denise Steiner. Lá, fotos do presidente rejuvenescido são exibidas aos clientes como um exemplo de caso de homem maduro e ilustre que, livre de preconceitos, aderiu a um procedimento estético moderno. Lula já colocou Botox três vezes. A primeira sessão ocorreu no início de 2004. A última, dias antes da entrevista que ele concedeu há duas semanas ao Jornal Nacional, da Rede Globo. As aplicações foram feitas pela própria Denise Steiner. Todas as vezes, ela viajou de São Paulo para Brasília, sempre no fim da tarde de sexta-feira, para atender o presidente na residência oficial. Nessas visitas, além de renovar o Botox de Lula, a médica usou ácido retinóico nas bochechas, no nariz e na testa do presidente. O procedimento serve para provocar uma leve escamação química na pele, que se renova e ressurge com menos manchas. O ácido também tem a função de ajudar a fechar os poros do rosto de Lula e diminuir o aspecto oleoso de sua pele. O tratamento é conhecido pelo seu nome em inglês, peeling.

Uma das mais conceituadas dermatologistas de São Paulo e também uma das mais caras (só a consulta custa 390 reais), Denise Steiner foi indicada a Lula por Pedro Albuquerque, o cirurgião plástico responsável pelas cirurgias estéticas realizadas pela primeira-dama desde 2002 (veja quadro). Entusiasta dos modernos métodos de embelezamento, Marisa precedeu o marido no uso do Botox. Fez sua primeira aplicação no fim de 2003, depois de aprovar os resultados obtidos pela também petista e adepta da toxina Marta Suplicy. A primeira-dama gostou tanto do resultado que convenceu o presidente a colocar também. Na clínica da esteticista, cada aplicação de Botox (cujo efeito costuma perdurar por seis meses) custa 1.350 reais. Como tudo o que diz respeito às finanças do presidente é cercado de mistério, não se sabe se ele paga ou não os serviços da dermatologista, assim como também se desconhece quem arca com as despesas de locomoção da médica para Brasília.

Marcelo Botelho/Obritonews
Alckmin, sendo maquiado para a TV: Cesar Maia achou o seu colarinho "engomado demais"

Especialistas consultados por VEJA foram unânimes em dizer que a aplicação do Botox em Lula, somada ao tratamento com ácido retinóico, foi bem-sucedida. "A testa descomprimida passa uma sensação de leveza, de relaxamento – como se não estivesse acontecendo nada de ruim no país", brinca uma dermatologista. O Botox de Lula foi aplicado em quatro músculos: frontal, corrugadores, prócero e orbitais. O frontal pega toda a região da testa, onde ficam as linhas horizontais, agora amenizadas pela toxina. Os corrugadores são os que ficam logo acima das sobrancelhas e que, principalmente em homens acima dos 50 anos, costumam parecer mais avolumados mesmo em momentos de relaxamento. Essa hipertrofia, em geral, sobrecarrega a expressão, passando uma impressão de cólera. O músculo prócero se localiza entre as sobrancelhas. Quando tensionado, produz uma marca vertical que empresta ao rosto uma expressão preocupada. Em Lula, tanto os músculos corrugadores quanto o prócero eram bastante desenvolvidos. Ao paralisá-los, o Botox suavizou as feições do presidente, tornando-as mais joviais. Já a aplicação da toxina nos músculos orbitais (que circundam os olhos) tiveram o objetivo de disfarçar as rugas em torno dos olhos de Lula, os populares pés-de-galinha. A substância é injetada na lateral externa dos olhos, na região em que essas marcas se aprofundam.

A adesão ao partido do Botox não é a primeira transformação estética a que o presidente se submete. As mudanças em seu corpo e figurino começaram a ser operadas em 2002, por sugestão do seu então marqueteiro, Duda Mendonça. Durante a campanha que o levou à Presidência, o petista submeteu-se a um realinhamento dentário, que incluiu uma faceta de porcelana para aumentar um canino esquerdo mais curto que o resto da arcada. Além disso, ele emagreceu, fez tratamento para clarear os dentes e passou a usar ternos mais caros e bem cortados. Lula sempre foi vaidoso, mas, obviamente, não é o primeiro político a recorrer à ajuda de profissionais para melhorar a aparência. Quando era senador, em 1987, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez uma cirurgia para a retirada de bolsas de gordura localizadas sob os olhos. Gostou tanto do resultado que recomendou o procedimento ao também tucano José Serra. Em 1999, o então ministro da Saúde de FHC passou pela mesma intervenção. Fora do Brasil, talvez o maior exemplo de extreme makeover seja o ex-primeiro-ministro da Itália Silvio Berlusconi. O político, de 69 anos, esbanja uma forma invejável e tem na cirurgia plástica um de seus assuntos favoritos. Recentemente, fez implante de cabelos, submeteu-se a uma plástica nos olhos e encarou uma dieta rigorosa. "Acho que estou mais agradável aos olhos dos outros", declarou Berlusconi sobre sua nova silhueta.

Lula e a primeira-dama, Marisa Letícia, ao lado da dermatologista Denise Steiner, responsável pelas aplicações de Botox no casal

Boa imagem rende votos, sim, garantem os especialistas. "Por meio da TV, o eleitor constrói uma identidade do político. Se penteado, roupa e maquiagem estão bem-feitos, o candidato passa uma idéia de juventude, de disposição e de simpatia", diz Gaudêncio Torquato, consultor em marketing político. "Já se o sujeito se apresenta mal-ajambrado e suado, o telespectador logo associa essa imagem à de um candidato cansado, mal-humorado e, conseqüentemente, derrotado." Foi o que ocorreu com Richard Nixon no célebre debate travado na TV, em 1960, com John F. Kennedy, quando ambos eram candidatos à Presidência dos Estados Unidos. O primeiro saiu massacrado, entre outras coisas, por causa de uma hiper-hidrose (desequilíbrio que provoca suor excessivo) muito bem explorada pelas câmeras. Enquanto Kennedy – bronzeado, jovial e bem penteado – encarava sorridente o seu oponente, Nixon mostrava todo o seu desconforto na tentativa de estancar os rios de suor que lhe escorriam pelo rosto mal barbeado. Esse embate ainda hoje é citado como tendo sido decisivo para a apertada vitória de Kennedy sobre Nixon.

Ardoroso defensor da tese de que boa aparência é igual a voto, o prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia (PFL), não só não se furta a dizer que já aplicou Botox três vezes e pintou as sobrancelhas ("para deixá-las da cor original") como também gosta de encorajar os candidatos a cargos políticos a operar mudanças em seu visual. "Lula deveria emagrecer bem mais", preconiza o prefeito. "A TV exponencia seus quilos extras." Sobre o candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin, o prefeito afirma que ele poderia ser "mais espontâneo". "Aquele colarinho engomado e o laço da gravata apertado não são naturais." Já Heloísa Helena, sua preferida quando o assunto é performance na TV, deveria usar mais maquiagem "e cortar um pouquinho a junção das sobrancelhas, para suavizar o rosto".

Andreas Solaro/AFP
O ex-primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi: plástica, regime e implante capilar

Em uma eleição de comícios cada vez mais esvaziados – decorrência da nova norma do Tribunal Superior Eleitoral, que proíbe a participação de atores e cantores nos eventos –, os já preciosos minutos de que os candidatos dispõem na TV se tornam ainda mais valiosos. Só na Grande São Paulo, o Ibope registrou 42 pontos de audiência no primeiro dia de exibição do horário eleitoral político, no período noturno. Como cada ponto de audiência do Ibope corresponde a 80.000 telespectadores, isso significa que pelo menos 3 milhões de pessoas observaram os candidatos na semana passada, na capital paulista. "Campanha eleitoral é um processo de conquista, de sedução – e, quando você quer conquistar, você vai com a sua melhor roupa e seu melhor sorriso", diz o publicitário André Torreta, consultor em marketing político. Como se vê, mesmo com sua dianteira nas pesquisas, Lula não quer deixar nada ao acaso na corrida para o segundo mandato.
Fotos Silvio Ferreira, Orlando Brito, Sergio Lima/Folha Imagem, Ricardo Stuckert/PR


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