Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, agosto 18, 2006

Nos ombros do eleitor (Por Lucia Hippolito)


A Câmara não cassou o mandato dos deputados mensaleiros. A Justiça não puniu os políticos indiciados pelo procurador-geral da República como membros da “sofisticada organização criminosa” que pretendia tomar de assalto o Estado brasileiro para se perpetuar no poder.

Os partidos políticos não negaram legenda a essa gente, que está outra vez nas ruas pedindo o meu, o seu, o nosso voto.

E agora, toda a responsabilidade é jogada nas costas do pobre do eleitor brasileiro. Se o Congresso eleito em outubro for composto de mensaleiros, sanguessugas e ex-ministros enrolados na Polícia Federal, a culpa será dos eleitores, que não sabem votar, que não se interessam pela política, que não se importam com roubalheiras nem com escândalos. Certo?

Erradíssimo!

A Justiça Eleitoral e parte da mídia estão jogando sobre os ombros do eleitorado um encargo que é dele apenas em parte.

É preciso distribuir corretamente as responsabilidades. Ao eleitor cabe cuidar bem de seu voto. Investigar a vida pregressa do candidato, sua experiência profissional, sua vida privada. Não existe uma ética privada diferente da ética pública.

Por isso, a vida particular do candidato interessa, e muito. É preciso saber se ele bebe, se bate na mulher, se dá propina ao guarda, se não se incomoda em sonegar imposto, se compra produtos piratas, se acha que só um pouquinho de corrupção não tem importância. Se costuma fazer uso de caixa dois. Se tem mais de um CPF.

Em suma, tudo o que for possível saber a respeito do candidato é importante.

Mas não basta. O eleitor pode escolher o melhor candidato entre todos – e contribuir para eleger o pior.

A distorção do sistema eleitoral brasileiro é de tal ordem que, uma vez digitado na urna eletrônica, o voto escapa inteiramente ao controle. O eleitor não tem a menor idéia de quem vai ser eleito com o seu voto.

Isto porque o voto proporcional praticado no Brasil é uma combinação explosiva: lista aberta, permissão de coligação e mecanismo perverso de distribuição de sobras.

No limite, o eleitor pode votar num candidato da extrema-esquerda e seu voto servir para eleger um candidato da extrema-direita.

Na legislatura que se encerra agora no fim do ano, dos 513 deputados federais, apenas 33 foram eleitos com os próprios votos, ou seja, atingiram o quociente eleitoral. Apenas 6,43% da Câmara! Os restantes 480 deputados, isto é, 93,56%, foram eleitos com votos da legenda, da coligação ou das sobras eleitorais.

Por isso, é vital levar em conta essas observações quando alguém tentar responsabilizar o pobre do eleitor brasileiro pela eleição de um Congresso ainda pior do que este que vai se despedindo sem deixar saudade.

No sistema eleitoral, no próprio Congresso, na Justiça e nos partidos políticos deverá ser espetada esta fatura.

BLOG Ricardo Noblat

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