Panorama Econômico |
O Globo |
2/8/2006 |
Não vou falar dos mortos. Principalmente não vou falar das crianças mortas. Pela natureza da coluna, posso fugir do tema mais doloroso e falar da tragédia econômica do Líbano. É enorme. Os prejuízos em infra-estrutura já são de US$ 2 bilhões. A perda de receita com turismo é de US$ 3 bilhões. Os bombardeios de Israel estão destruindo as bases da economia libanesa e demolindo as esperanças. Há também uma tragédia ambiental com vazamento de óleo no mar e destruição dos cedros. Liguei para o Líbano para conversar com o nosso embaixador lá, Eduardo Seixas. Ele traçou um quadro assustador das conseqüências econômicas dos ataques de Israel ao Líbano, que certamente vão minar o futuro do país por alguns anos. — Eles investiram na recuperação do Líbano após a guerra civil, de 1990 a 2003, US$ 8 bilhões, o que é muito para um país com US$ 21 bilhões de PIB — contou. O Líbano é a economia que tem o mais sofisticado sistema financeiro do Oriente Médio, que recebe investidores de toda a região e fluxo de capital enviado por libaneses fora do país. — Um sistema bancário não apenas sofisticado, mas também sólido — comenta o embaixador. Os dez maiores bancos têm mais que o dobro da exigência feita pelo Acordo da Basiléia para reservas para empréstimos de contingência. Os depósitos do sistema bancário são três vezes o PIB. Um sistema financeiro sólido para fornecimento de serviços bancários, um setor de turismo forte e crescente e investimentos em infra-estrutura de reconstrução e imobiliários para fortalecer ainda mais o turismo. Esse tripé segurava a economia libanesa, que vivia um momento muito especial. — Depois de duas conferências em Paris para divulgar oportunidades de investimentos no país, o Líbano vivia agora a expectativa da conferência Beirute I, que traria investidores ao país. Vivia também a esperança política de reformas e avanços após a primeira eleição, em 28 anos, sem a presença de tropas sírias ou israelenses no país. Eles previam privatizações em telecomunicações e energia e outras reformas para dar mais vigor à economia libanesa. É um corte grande num país que reflorescia — disse Seixas. Tudo desmoronou. Primeiro, porque os setores nos quais o país se assenta dependem basicamente de confiança. Já houve saídas líquidas de mais de US$ 800 milhões e o fluxo de entrada foi interrompido. Segundo, porque a atividade econômica do Líbano depende da importação. — Toda a atividade produtiva do país depende de insumos importados. Ele é altamente importador. O Líbano exportou US$ 1,8 bilhão no ano passado e importou US$ 9 bilhões. Neste momento a produção está reduzida a 10%. O país não importa hoje porque está bloqueado por terra, mar e ar. Os portos estão bloqueados, os aeroportos bombardeados e as estradas vêm sendo destruídas. Para se ter uma idéia, a retirada de brasileiros da área de Bekaa não pode ser feita pela fronteira próxima. Eles têm que seguir por um percurso muito maior, pelas montanhas, que acresce seis a oito horas à viagem. Com suas praias, seu charme, sua História, seus modernos resorts, o Líbano é um atrativo para o turismo da região. Mais de 70% dos turistas, que demandam muito da economia de serviços do país, são da própria região. Na primeira semana de julho, a ocupação dos hotéis de Beirute oscilou entre 90% e 100%. Agora está em 20%. Nos primeiros seis meses do ano, o turismo foi 50% maior que no mesmo período do ano passado. Em 2005, houve o impacto do assassinato do ex-primeiro-ministro Rafik Hariri, que diminuiu o turismo, mas fazendo a comparação com 2004, que foi um ano normal, mostra-se que estava mesmo crescendo. Este ano foi 20% mais que em 2004. — Este ano seria excepcional e, agora, é um ano perdido — disse o embaixador brasileiro. Curiosamente está havendo um fluxo contrário. Esta época do ano é o pico do turismo de Beirute, mas agora são os hotéis das montanhas que estão com alta ocupação. A rede hoteleira nas montanhas não é muito grande, mas está com 100% de ocupação. Não são turistas, são libaneses fugindo de Beirute. Os investimentos dos últimos anos foram para reconstruir e modernizar a logística do país. O embaixador Eduardo Seixas conta que novas e modernas rotas vinham sendo construídas; uma delas, inaugurada na véspera de começarem os ataques. Segundo informações dos jornais locais, apenas 10% da frota de 170 mil veículos estão circulando e cobrando preços de frete de 300% a 1.000% mais altos. — O mais importante são as vidas humanas perdidas. Mesmo sem contar os que não foram tirados dos escombros, as Forças de Segurança Interna estão falando em 500 mortos, 1.500 feridos. Só em Qana, 57 mortos, sendo 37 crianças. Mas os efeitos colaterais na economia serão sentidos por muitos anos. Há ainda uma tragédia ambiental em curso. O bombardeio às centrais termoelétricas no Sul despejou no mar 30 mil toneladas de óleo que já se espalham por 100 quilômetros do litoral do país. E mais: os cedros do Líbano, uma espécie ameaçada de extinção, estão na linha de tiro. Hoje 5% do território do país são ocupados por essa tradicional vegetação. A área se estende na cadeia oeste do Monte Líbano de Dahr-el Baidar, no Norte, a Jezzine, no Sul, debruçada sobre o Vale do Bekaa, pelo leste e chegando até o Vale do Shouf, pelo oeste. É a reserva Shouf, Reserva da Biosfera da Unesco. Os famosos, preciosos, bíblicos cedros do Líbano também estão sendo atingidos pelos bombardeios. |
Entrevista:O Estado inteligente
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