Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, agosto 02, 2006

A estabilização da mediocridade PAULO RABELLO DE CASTRO




Folha de S. Paulo
2/8/2006

Libertar-se da letargia dessa mediocridade requereria a vontade política de uma Constituinte revisora

SÃO MUITO repetidas as observações de que "a economia vai bem", um refrão que percorre desde os gabinetes poderosos, os editoriais de jornais, as projeções bem comportadas dos economistas e, obviamente, declaração dos políticos da situação. Os outros, da oposição, falam em crescer mais, gerar empregos, o que não chega a ser, propriamente, negação ao modelo de estabilização "a perder de vista" instaurado desde o Plano Real.
Duas notícias contrastam vivamente com a pasmaceira geral. A primeira é que as despesas do governo central explodiram de novo. Tiveram alta de 14% num momento em que a inflação do setor produtivo está quase zerada (em preços ao consumidor, estamos com inflação inferior à norte-americana, nos últimos 12 meses, algo que não ocorria desde 1947).
A segunda notícia acompanha a primeira. O governo elevou, mais uma vez, a carga tributária, suas receitas crescendo 11%, embora abaixo da expansão explosiva do gasto público. Os culpados são os de sempre: juros, déficit previdenciário brutal, aumentos generalizados da folha de pessoal; tudo, menos investimentos produtivos.
Vivemos, de fato, aqui no Brasil, num outro mundo: é aquele em que livros são lidos de trás para a frente, as pessoas andam de costas e o fim é antes do começo. Assim é, mas estamos tão acostumados com esse "outro mundo" que não nos damos mais conta do que seria, se fosse de outro jeito.
A campanha política reflete essa dificuldade de visão. Lula, aferrado ao modelito da estabilização permanente, promete fazer mais quatro anos iguais aos primeiros, contando que a opinião pública, de tão acostumada à marcha lenta (quem sabe, marcha a ré), até rogue por mais financismo assistencialista. Os candidatos da oposição, de modo geral, além do quase absoluto despreparo, impressionam pela superficialidade chocante do discurso, mesmo quando colhido no improviso da declaração de rua. A oposição reflete a "nau sem rumo" que viramos, a partir do momento em que -lá pelos anos 80- fomos desaprendendo o caminho de um desenvolvimento feito para a sociedade brasileira, e não para apenas sustentar os arranjos institucionais que preservam o aparelho do Estado à custa do setor produtivo.
Evidentemente, nem tudo está perdido -ou, pelo menos, essa é a ilusão que acalenta o fio de esperança dos mais otimistas. Olhando em volta, porém, ressurgem as opções do "mais do mesmo" e ou do "mesmo sem mais". É notório que o país não tem um modelo institucional nem um arranjo produtivo amigável ao crescimento acelerado. Falta até a percepção da própria falta, o que só é sacudido, de vez em quando, por alguma desilusão futebolística, intuímos algo errado entre o tamanho de nosso potencial e o volume de resultado efetivamente apresentado pelo país.
O amadurecimento da nossa mediocridade como maneira de ser e meio de expressão coletiva teve que passar pela desconstrução do desenvolvimento como destino da nação. A política tornou-se mesquinha e sem vivacidade, permeada pela convicção coletiva das impossibilidades, inclusive da de dominar-se a corrupção. O prolongamento, por mais de dez anos, do processo de estabilização do Plano Real, a lógica dessa "estabilização infindável" à qual Lula e o PT se amoldaram tão bem só não é secundária à lógica do adiamento permanente das reformas constitucionais no pinga-pinga característico daqueles que não têm hora nem compromisso com nada.
Libertar-se da letargia dessa mediocridade piorante requereria, para começar, a vontade política de uma Constituinte revisora, nada menos que isso, para pôr de pé a nação que anda de cabeça baixa, servindo ao Estado que deveria estar aí para servi-la. Logo em seguida, liberar as forças de um pacto aceleracionista, em busca do espírito perdido do desenvolvimento.

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