Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, agosto 04, 2006

Míriam Leitão - Falsa solução




Panorama Econômico
O Globo
4/8/2006

Um conselho que Hugo Chávez costuma dar aos amigos governantes é que façam uma Constituinte logo após as eleições, aproveitando-se do bônus dado ao recém-eleito. Na lua-de-mel pós-eleitoral, o governo consegue fácil maioria e, depois, muda as leis para se fortalecer. Evo Morales seguiu o conselho do tutor. Será que o presidente Lula pensa em seguir, atrasado, essa mesma trilha, ao apoiar agora a idéia de uma Constituinte?

Esse não é o único defeito desta idéia levantada por um grupo de juristas e à qual o presidente Lula imediatamente aderiu. O outro defeito é o do simplismo. Corrigir os defeitos do sistema político brasileiro levará tempo e a melhor solução é a gradual. A Constituinte seria um conforto para um país que está soterrado por denúncias de corrupção e querendo uma solução milagrosa. O país já aprendeu que, na economia, não existem milagres. Na política, também não. O que funciona são os aperfeiçoamentos institucionais constantes.

As panacéias são mesmo tentadoras. Pensem, leitora e leitor, na maravilha que seria uma mudança que acabasse com o fragmentado sistema partidário brasileiro, reorganizando-o em dois ou três partidos aos quais os políticos seriam fiéis; que estabelecesse o financiamento público de campanha, acabando com o caixa dois e a corrupção eleitoral; que varresse a corrupção da vida do país e acabasse com os excessos das CPIs. Seria excelente, se isso não fosse ilusório e autoritário.

O sistema político brasileiro continuará sendo multipartidário como sempre foi. A cláusula de barreira impedirá os muito pequenos e inviáveis. Já favorecerá uma concentração. Outras soluções têm que ser encontradas com ajuste fino. Exemplo, se a divisão de poder nas comissões respeitar mesmo o total de parlamentares eleitos — e não os empossados — já vai tirar uma parte grande do incentivo para o troca-troca, aumentando a fidelidade.

Uma reforma tipo terra-arrasada, que afaste todos os problemas de uma vez só, tem uma grande chance de complicar mais. O Brasil é uma federação, os partidos têm, nos estados e municípios, lógicas bem diferentes do que têm no âmbito federal. Tentar simplificar o que não é simples é o primeiro passo para as soluções autoritárias e inviáveis. Exemplo foi vivido agora quando o TSE fez uma interpretação radical da verticalização e se viu que era impossível sua aplicação. O TSE voltou atrás e ainda foi criticado por estar interpretando de forma literal a idéia de que todas as coalizões, em qualquer nível, tinham que ter a mesma lógica.

Financiamento público de campanha já existe hoje. Este ano, os partidos estão recebendo R$ 117,875 milhões do Fundo Partidário constituído com o meu, o seu, o nosso dinheiro. Receberam também na última eleição, e isso não impediu os gastos exorbitantes, nem o caixa dois. Além do dinheiro do Fundo Partidário, há uma enorme transferência de recursos para os partidos com o horário eleitoral gratuito em todas as redes de rádio e televisão. O financiamento público exclusivo não será exclusivo, porque nada impedirá os financiamentos por fora. Para evitar o caixa dois e a corrupção, pode-se tentar dois caminhos: punição rigorosa para o caixa dois para que ele não seja feito "sistematicamente neste país"; formas que permitam a fiscalização da sociedade sobre os partidos, como, por exemplo, a informação on-line, diária, dos gastos. Isso permitirá, entre outras coisas, comparar gastos declarados com os sinais exteriores de gastos.

As soluções que têm grande apoio dos políticos na reforma política podem não ser as melhores para os eleitores. Exemplo: o voto em lista. O problema do Brasil não é a maneira como se vota, mas a forma como se exerce o mandato. Votar numa lista, em vez de no candidato, tirará informação do eleitor. Ele não saberá em quem está votando e transferirá esse poder para as elites partidárias. Exatamente as elites que têm falhado tanto. Não consigo entender qual dos nossos vários problemas políticos será resolvido com o voto em lista.

As CPIs são uma das mais importantes atribuições do Legislativo. Ele pode e deve fiscalizar o Executivo. Por isso, todos os governos gostariam de limitá-las. O governo não pode patrocinar uma reforma que se proponha a limitar as CPIs. Seria antidemocrático.

O Brasil precisa mudar e aperfeiçoar sua democracia, mas são muitos os cientistas políticos que favorecem a idéia de mudanças incrementais, em vez de uma mudança radical que se proponha a resolver tudo de uma vez só. A Itália fez bem quando comandou a Operação Mãos Limpas e temos várias lições a tirar dessa faxina feita lá. Mas a reforma política que eles fizeram deu em Berlusconi e, em seguida, numa eleição muito polarizada.

O Brasil tem que aprender a olhar para fora e atentar para o conhecimento acumulado no mundo ao procurar soluções para sua crise política. Há ferramentas hoje sendo desenvolvidas, tanto para ajudar a governabilidade e aperfeiçoar sistemas políticos ineficientes, quanto para aumentar o controle da sociedade sobre os gastos públicos. Não precisamos nem de jabuticabas, nem de caminhos chavistas para as nossas crises.

 

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