Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, agosto 18, 2006

Míriam Leitão - Dinheiro caro


Panorama Econômico
O Globo
18/8/2006

Tudo o que for pensado ou inventado para baixar o custo do dinheiro no Brasil é bem-vindo, mas o governo está anunciando o que já existe. O Banco Central já tem cadastro dos bons e maus pagadores à disposição dos bancos. Já existe a conta salário que pode ser transferida para outro banco sem custo para o correntista. A Serasa tem um cadastro positivo que funcionou de 1997 até 2001, com modestos resultados.

O ministro Guido Mantega prepara um pacote de medidas para reduzir o spread, a taxa cobrada acima dos juros básicos. Anunciar qualquer coisa contra os juros bancários é sempre um sucesso de público e crítica. Mas o que o governo está preparando é apenas melhoria do que já existe.

O Banco Central tem uma central com informações de risco de crédito. Lá os bancos podem acessar qualquer dado sobre operações de crédito bancário acima de R$5 mil, que cobrem 90% do valor dos empréstimos. Lá se sabe o valor de outras dívidas do cliente em outros bancos, se são pagas em dia ou estão em atraso. Agora o governo vai incluir informações abaixo de R$5 mil. Elas são 95% das operações, mas apenas 10% do valor.

Outra medida que o governo está anunciando é chamada de "DOC reverso", que daria direito ao correntista de transferir seu salário de um banco para outro. Também já existe. A resolução 2.718 do Banco Central, de 2000, criou a conta salário, que tem baixo custo, mas só pode ser movimentada por cartão magnético. Se o trabalhador quiser transferir integralmente esse dinheiro para outro banco não pagará tarifa. O que o governo está pensando é melhorar ainda mais a portabilidade.

A Serasa já teve um cadastro positivo. A vantagem em relação ao sistema do Banco Central é que ele é mais abrangente e inclui também as informações sobre crédito direto ao consumidor, crédito junto ao comércio. Esse cadastro foi suspenso por decisão da Justiça.

- Começamos a preparar o cadastro em 1993, implantamos completamente em 1997 e ele funcionou até 2001, quando teve que ser suspenso por uma decisão judicial - diz Élcio Anibal de Lucca, presidente da Serasa.

A decisão tomada por uma juíza, segundo Élcio de Lucca, foi estabelecer que uma pessoa só poderia constar desse cadastro se fosse previamente informada disso por uma carta registrada "de próprio punho". Essa expressão quer dizer que tem de ser entregue pessoalmente ao destinatário.

- Ficaria muito caro e por isso suspendemos o cadastro, mas temos o sistema implantado, tecnologia moderna e capacidade de retomar o cadastro imediatamente. Já fizemos cinco atualizações no cadastro. Damos palestras no exterior para mostrar nosso sistema, mas aqui ele não pode funcionar - diz Élcio.

Coisas do Brasil. Sobre o cadastro negativo não há qualquer proibição de que a má notícia seja enviada por carta comum. A Serasa envia sete milhões de cartas por mês avisando a quem se atrasa que tem dez dias para quitar a conta ou entrará no cadastro negativo. Se o governo baixar uma MP o cadastro positivo volta a funcionar, mas há pouca esperança de que isso produza queda forte no spread.

Miguel de Oliveira, da Anefac, acha que alguma mudança pode ocorrer, mas será marginal.

- Todas as medidas para reduzir o custo de crédito no Brasil são positivas, mas uma medida sozinha não vai fazer muita diferença. É preciso aumentar o volume de crédito no Brasil para aumentar a competição entre os bancos e, assim, reduzir os juros - diz Miguel de Oliveira.

Os bancos dizem que os juros cairão quando forem reduzidos os depósitos compulsórios. Hoje os bancos têm de recolher, obrigatoriamente, 45% mais 8% de todo o dinheiro que está em conta corrente e 15% mais 8% de tudo o que está aplicado. Os bancos dizem que é alto demais para um país com inflação baixa. É verdade. Eles dizem que se forem liberados desse compulsório haverá mais crédito no Brasil a juros mais baixos. Será?

- Em outros momentos em que houve queda do compulsório, os bancos deixaram de recolher compulsório a custo zero para o governo e passaram a comprar títulos da dívida pública recebendo taxa Selic por aquele mesmo dinheiro - diz Miguel de Oliveira.

Ou seja, para os bancos foi um grande negócio: passaram a receber os altíssimos juros pagos pelo governo, por um dinheiro que antes nada lhes rendia. Mas o capital liberado não foi para o crédito, como deveria.

O governo anterior passou a divulgar no site do Banco Central o custo de todas as taxas e tarifas cobradas pelos bancos. Isso aumentou a competição e o spread caiu. Mas na crise de 2002 voltou a subir.

Desde setembro, a Selic caiu cinco pontos percentuais, mas o que a Anefac chama de taxa média de juros (mistura de taxas cobradas pelos bancos e pelo comércio) caiu apenas 1,6 ponto percentual. Os juros básicos caíram 25% (de 19,75% para 14,75% desde setembro), mas a taxa média caiu apenas 1,14%, de 140,3% para 138,71% ao ano.

Os bancos dizem que o compulsório é alto. E ele é. Dizem que os impostos são altos. E eles são. Juntos explicam parte do spread, mas não todo. O que não dizem é que a margem líquida dos bancos embutida nas taxas cobradas dos empréstimos é de 35%, uma das mais altas do mundo.

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