Muitos economistas vêem que o real valorizado está causando mudança brusca no tecido produtivo brasileiro
RECEBI um longo e-mail de um leitor desta coluna sobre a associação que fiz entre o excesso de dólares em nosso mercado de câmbio e a doença chamada de hemocromatose. Ele me cobrava uma reflexão mais profunda sobre O QUE FAZER para evitar os males criados por essa exuberância de nossas contas externas. Inicio minha resposta citando um ensinamento de meu querido professor Rui Aguiar da Silva Leme na Escola Politécnica de São Paulo. Dizia ele que, "diante de um problema novo, a primeira coisa que devemos fazer é responder à questão QUAL É O PROBLEMA?". Isso é o que tenho feito, ao longo dos últimos meses, com o Paulo Miguel e o Fábio Ramos, economistas que trabalham comigo na Quest. Na busca de uma solução detalhada para essa doença de país rico que atinge o Brasil pobre de hoje, o entendimento profundo desse fenômeno é o ponto de partida de nosso trabalho. Muitos economistas reconhecem que a valorização do real está provocando uma mudança brusca no tecido produtivo brasileiro, mas respondem a essa questão com um frio "E DAÍ?". Para eles, se há uma força de mercado na direção da valorização do real, deve-se deixá-la livre e assistir, sem emoção, ao fechamento de parte do setor produtivo e à troca da oferta de bens pelas importações, principalmente as chinesas, mais baratas. Afinal, temos setores importantes que estão conseguindo se desenvolver mesmo com o real forte. Tanto isso é verdade que o saldo de nossa balança comercial continua sólido, perto dos US$ 45 bilhões neste ano. Resumindo, nada a fazer contra esse movimento. Na visão deles, seremos um país produtor de minério de ferro, de aço, de níquel, de açúcar e álcool e, no futuro, de petróleo. E com os recursos dessas exportações compraremos, no exterior, sapatos, produtos têxteis, carros, máquinas e equipamentos e outras "cositas más" que não mais produziremos com custos competitivos em razão da taxa de câmbio. Tudo se passa como se o que a teoria econômica chama de VANTAGENS COMPARATIVAS fosse apenas um desígnio de Deus a não ser combatido pelos mortais. Não levam em conta que a tecnologia e a ação inteligente do Estado permitem também aos países criar vantagens comparativas. Temos o exemplo da Embraer para mostrar com orgulho. Não se emocionam também com o fato de que, se caminharmos nessa direção, haverá uma crise de emprego, pois estaremos desenvolvendo setores que empregam muito pouco e eliminando outros que concentram a maior parte do emprego na área da indústria. Sonham com o ocorrido na Inglaterra de Margaret Thatcher, esquecendo que não temos aqui os mecanismos de defesa dos "sem-emprego" e que nosso nível de renda é muito menor do que havia naquele país. Não levam em conta que países que competem com nossa indústria têm juros e carga tributária muito mais baixa, além de mercado de trabalho quase escravo como a China. E, ainda, a prática da taxa de câmbio administrada pelo governo. Já os economistas mais heterodoxos pregam uma cruzada santa contra o real forte, com o Banco Central mantendo a moeda desvalorizada por meio de compras maciças nos mercados de câmbio. Defendem essa posição lembrando o sucesso dessa política nos países asiáticos nos anos passados e na China agora. Isso é verdade, mas temos que qualificar o sucesso dessa política em função da dimensão e das características dos mercados financeiros globalizados de hoje. Só a China, com sua ditadura temperada com um pouco de mercado, pode, neste início de século, realizar essa tarefa com sucesso. A saída sugerida por esse grupo, O CONTROLE DOS CAPITAIS FINANCEIROS, não me parece operacional e não permitiria que usássemos os investidores estrangeiros como uma espécie de aríete para vencer o OLIGOPÓLIO DOS JUROS que temos no Brasil. Com a dívida externa minguando e o risco Brasil em queda livre, criam-se hoje as condições para aumentar a oferta de crédito externo, para o setor público e privado, no mercado financeiro brasileiro. Como terceira alternativa para vencer os novos desafios, usando as forças que valorizam nossa moeda, sugiro um outro caminho: equilíbrio fiscal via redução dos gastos do governo, queda da carga fiscal, juros reais em linha com o de outras economias semelhantes à nossa, mais investimentos produtivos e crescimento econômico e, em decorrência, mais importações complementares à nossa produção interna. Mas volto a isso brevemente.
Entrevista:O Estado inteligente
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sexta-feira, agosto 18, 2006
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS Que fazer com o excesso de dólares?
FOLHA
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