O Globo |
4/8/2006 |
A reação à proposta do presidente Lula de convocar uma Assembléia Nacional Constituinte para fazer uma reforma política tem mais a ver com o clima político radicalizado que o país vive hoje do que com a essência da questão. O temor de que por trás da proposta esteja uma tentativa de golpe à la Chávez tem razão de ser, dado o espírito autoritário que o governo petista revela vez por outra, até mesmo porque a idéia da Constituinte nasceu de uma reunião em que se discutiam maneiras legais de limitar as ações das CPIs. Também nesse caso, e provavelmente por razões erradas, o presidente Lula está no caminho certo. Não é de hoje, e especialmente no tempo em que o PT era oposição, que juristas importantes chamam a atenção para os abusos das CPIs. Um livro editado em 2002, organizado por Antonio Calos Barandier, reuniu diversos artigos de juristas e estudiosos apontando os excessos das CPIs, chamadas de "os novos comitês de salvação pública", uma referência à fase radical da Revolução Francesa. O jurista Eduardo Seabra Fagundes, ex-presidente da OAB, escreve no prefácio que a Comissão Parlamentar de Inquérito "é um dos mais valiosos instrumentos do Estado democrático de direito", mas adverte que "recentes episódios de intolerância e autoritarismo nos salões do Congresso Nacional desmerecem esse poderoso instrumento de correção de desvios da sociedade". Já Antonio Carlos Barandier denuncia parlamentares que "com abuso de autoridade e violação das garantias fundamentais, expõem pessoas à execração pública, ao linchamento moral, e à desmoralização". E Barandier enumera algumas razões para que isso aconteça: vocação autoritária; ignorância que lembra tiras despreparados; nostalgia dos "processos de Moscou"; falta de assessoria; ou o simples deslumbramento com os refletores. Todos esses vícios atribuídos às CPIs nos anos em que o PT esteve na oposição, podem ser repetidos hoje, só que o presidente da República tomou a iniciativa de consultar juristas sobre como controlar esses abusos, quando seu governo está sob uma saraivada de acusações de corrupção. O governo parece muito mais interessado em demonizar as CPIs do que em organizá-las de maneira eficiente, evitando os abusos, tanto dos seus componentes quanto dos acusados, que se valem da Justiça para boicotar os trabalhos. Da mesma maneira, falar na convocação de uma Constituinte em meio a um processo eleitoral parece, ou diversionismo, ou ameaça de usar seu prestígio popular para se sobrepor ao Congresso, ainda mais no momento crítico em que os políticos se encontram completamente desacreditados diante da opinião pública. Foi com uma promessa de convocar uma Assembléia Nacional Constituinte que Hugo Chávez foi eleito, e logo que tomou posse, em fevereiro de 1999, dissolveu o Congresso e a convocou. Nas eleições para a Assembleia Constituinte, em julho de 1999, o Pólo Patriótico que reunia os defensores de Chávez conquistou 120 dos 131 lugares. A partir daí, houve uma escalada de Chávez rumo ao poder quase absoluto que detém hoje, sempre com a aprovação do Congresso: em função da nova ordem constitucional, realizaram-se novas eleições presidenciais e legislativas em julho de 2000, nas quais Chávez foi eleito presidente da República com 55% dos votos, e o Pólo Patriótico conquistou a maioria dos lugares na Assembléia Nacional. Em novembro do mesmo ano, a Assembléia Nacional aprovou uma lei que permitiu ao presidente governar por decreto pelo período de um ano, período em que ele faz uma ampla reforma administrativa, influindo até mesmo na composição do Supremo, que passou a dominar também. A chamada "democracia participativa", tocada à base de plebiscitos e referendos, é muito do gosto do ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, que foi quem mais defendeu a proposta da Constituinte num primeiro momento. Mas, para além dessas preocupações, a idéia de uma constituinte restrita pode ser a solução política para o impasse em que nos encontramos não apenas na reforma política, mas em pelo menos mais dois temas fundamentais: a reforma da Previdência e a reforma tributária. Se houver uma campanha eleitoral baseada nesses três temas, eles seriam discutidos amplamente pela sociedade e quando a Constituinte fosse eleita, poderia trabalhar em cima dessas reformas estruturais com maior liberdade, pois seus membros teriam prazo determinado para encerrar os trabalhos e não estariam preocupados com suas carreiras políticas. Vários cidadãos que não se interessam pela política partidária cotidiana teriam estímulo para se candidatarem a constituintes, e certamente seriam eleitos representantes de classes envolvidas nas discussões que participariam da confecção a nova legislação. O presidente Lula tem razão quando diz que o Congresso não tem distanciamento suficiente para votar uma reforma política que altere os interesses ou o jogo de forças vigente. Ele não pode dizer, até mesmo por ser talvez o principal responsável por isso, mas a falta de credibilidade dos políticos chegou a tal ponto que seria inimaginável que este ou o próximo Congresso tenha condições morais para bancar reformas constitucionais. |
Entrevista:O Estado inteligente
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