O Globo |
1/8/2006 |
O que torna o escândalo dos sanguessugas um caso especial é que se trata de um esquema tipicamente de políticos, o processo tinha autonomia, não dependia da participação do governo federal porque era baseado nas emendas individuais dos parlamentares, que são de aprovação automática até um teto de R$ 5 milhões. Nasceu do encontro fortuito do dono da Planan, Darci Vedoin, e do deputado Lino Rossi, do PP de Mato Grosso em um aeroporto, quando trocaram de malas por engano. A partir dessa aproximação, surgiu o esquema de superfaturamento das emendas numa troca de informações entre deputados de todos os partidos, sem exceção, e prefeitos também de várias legendas. Era um esquema suprapartidário, que tinha vida própria e não dependia do comando de ninguém. Além do fato de que o roubo do dinheiro público saía da Saúde, num país tão necessitado, o que espanta no esquema é exatamente sua independência com relação a outros mecanismos de corrupção da máquina pública. O deputado Marcondes Gadelha, um dos citados que jura inocência, admite que existem deputados que se acostumaram a “vender” suas emendas. Mas nunca se havia tido notícia de uma formação de quadrilha tão acintosa, com um parlamentar cooptando outro até formarem uma ampla rede que pode envolver cerca de 150 políticos, entre deputados, senadores e prefeitos. A proposta de acabar com as emendas individuais dos parlamentares é um equívoco, pois os representantes do povo estão ali para isso mesmo, atender com suas ações às necessidades de suas bases políticas. O que tem que acabar é a aprovação automática e a quota que cada parlamentar tem sem que o seu projeto seja discutido em qualquer instância. Pelo depoimento dos Vedoin, no que mais uma vez o governo petista inovou na corrupção foi na participação do Executivo na liberação dos recursos das emendas dos parlamentares. A grande quantidade de emendas no último ano do governo anterior fez com que o valor correspondente a cerca de cem ambulâncias não tenha sido liberado no ano de eleição de 2002. Para liberar os tais “restos a pagar” é que se criou a figura do intermediário entre a empresa Planam e o Ministério da Saúde, surgindo daí, segundo os depoimentos de pai e filho donos da Planam, um envolvimento do então Ministro Humberto Costa no assunto, que antes era tratado diretamente entre os políticos. Também segundo Vedoin, o então chefe do Casa Civil, José Dirceu, não liberava as emendas sem que o deputado ou senador se comprometesse a votar com o governo em determinados assuntos. Assim, sabe-se agora que o governo se utilizava, além do mensalão, também das emendas dos parlamentares para negociar apoio no Congresso. Mas, a menos que se prove que a Casa Civil sabia que as emendas estavam superfaturadas, não há nenhuma novidade nesse mecanismo de liberar emendas em troca do apoio a alguma iniciativa de interesse do governo. A característica, muitas vezes perversa, do orçamento autorizativo é exatamente essa: por um lado o governo manipula politicamente a liberação de verbas, por outro tranca outras verbas para fazer o superávit fiscal necessário. Por isso, cresce no Congresso a adesão ao orçamento impositivo. Mesmo no caso em que as emendas eram superfaturadas, não caberia culpa direta a nenhum governo, ou a nenhuma administração do Ministério da Saúde, já que as emendas dos parlamentares são de aprovação automática. No caso do ex-ministro Humberto Costa, o relato dos Vedoin o incrimina porque está sendo acusado diretamente de pedir comissões, através de um intermediário, para liberar verbas. Portanto, assim como nem todo parlamentar que fez emendas para ambulâncias está necessariamente envolvido nas falcatruas, nem todo burocrata que liberou as verbas foi conivente com tramóias. Mas uma coisa é clara: o atual Congresso está sob suspeição, e não tem mais moral para aprovar coisa nenhuma na atual legislatura, nem mesmo a lei orçamentária de 2007. Já está havendo um movimento para obstrução das votações, a partir das comissões, para não permitir a aprovação das emendas ao orçamento. Somente o próximo Congresso, renovado e idealmente sem os candidatos envolvidos nas falcatruas do mensalão ou dos sanguessugas, poderia votar o próximo orçamento, defendem alguns líderes influentes. Esse clima de suspeição sobre o atual Congresso impediria, sobretudo, que um eventual pacote de reforma política fosse aprovado ainda este ano. Como deixar que o Congresso atual aprove o voto em lista, ao qual sou favorável, se a direção partidária da maioria das legendas está nas mãos dos mensaleiros e sanguessugas? Como aprovar a criação da figura da “federação de partidos” pouco tempo antes da eleição, ou, pior ainda, logo depois dela, para favorecer grande parte desses partidos, que abrigam a maioria dos sanguessugas e mensaleiros, e evitar a punição das cláusulas de barreira que quase certamente os atingirá? As reformas estruturais que ainda precisam ser feitas só sairão se houver um consenso na sociedade e credibilidade do Congresso, o que talvez só se conseguirá com a convocação de uma Assembléia Constituinte restrita, que se dedique aos pontos fundamentais para o nosso desenvolvimento, o sistema tributário, o pacto federativo, e a reforma política, com prazo definido para terminar. Os constituintes seriam eleitos apenas para essa tarefa, enquanto o Congresso funcionaria normalmente, com deputados e senadores eleitos para a legislatura normal. Recebi correspondência do ministro Jorge Hage, da Controladoria Geral da União, e a publicarei na coluna de amanhã com alguns comentários. |
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
terça-feira, agosto 01, 2006
Merval Pereira - Autonomia danosa
Arquivo do blog
-
▼
2006
(6085)
-
▼
agosto
(456)
- PCC e licença para matar
- Palavras ao vento
- O FGTS e os fundos de Lula 2006 vinícius Torres F...
- Lula e a mídia
- Barrado na festa Rolf Kuntz
- A reação irracional da Bolívia à EBX Raphael de Al...
- A marca deles é a crise Plínio Fraga
- A conta não fecha
- Míriam Leitão - 'Bate, doutor'
- Merval Pereira - Ainda com fé na virada
- Jânio de Freitas - Da boca para fora
- Eliane Cantanhede - No mesmo saco
- Dora Kramer - ´Voto aberto protege eleitor´
- Clóvis Rossi - Desfazendo a herança Lula
- Celso Ming - Parcimônia adiada
- Gasto com Bolsa Família cresce 60% em 1 mês
- PIB ruim do trimestre também assusta o Copom E DAD...
- Jefferson Pérez renuncia à vida pública e critica ...
- CARLOS VEREZA Artistas e a ética
- Livro mostra Lula xingando Kirchner, após beber tr...
- Zuenir Ventura O Globo Os reforçadores de opinião
- Merval Pereira Sem alternativa
- Miriam Leitão Dívida segundo HH
- AUGUSTO NUNES A noite dos velhacos
- CELSO MING O Programa de Lula
- DORA KRAMER O voto no retrovisor
- A filosofia das mãos sujas
- Programa para boi dormir no brejo
- PAULO RABELLO DE CASTRO Bons ou maus lucros?
- Necropsia da campanha (Por Lucia Hippolito)
- SERGIO COSTA Terceira divisão
- A consagração da merda CLÓVIS ROSSI
- OS SERVO-INTELECTUAIS
- Arnaldo Jabor - Burrice no poder chama-se fascismo
- Celso Ming - Pacto de governabilidade
- Clóvis Rossi - Nossa morte anunciada
- Eliane Cantanhede - Terceiro mandato
- Jânio de Freitas - Provas ambulantes
- Luiz Garcia - Trinta e cinco dias
- Míriam Leitão - Nada a perder
- Escuta sugere que Delúbio comandou esquema de R$ 1...
- A delinqüência intelectual de Chico Buarque
- Dois na gangorra - D. KRAMER
- REINALDO AZEVEDO Sobre previsões, erros e o Bell'A...
- Zuenir Ventura Melhor não voar
- Merval Pereira Pela dignidade política
- Cacá Diegues "Entrevista de Domingo"
- 'Lula está muito consolidado', alerta FHC
- EUA devem abrir mercado para etanol
- Ética, de Paulo Betti a Chaui FERNANDO DE BARROS E...
- Elogio da corrupção petista
- Racismo, pobreza e educação Carlos Alberto Di Franco
- Macacos em casa de louça Sandra Cavalcanti
- DANIEL PIZA ESTADO Os intelectuais e o poder
- João Ubaldo Ribeiro Campanha, que campanha?
- Gaudêncio Torquato Perdemos o senso
- Sergio Amaral Os dilemas do Mercosul
- Merval Pereira Voto distrital
- Miriam Leitão Eleições e crise
- Miriam Leitão COMO NÃO FAZER
- Jânio de Freitas - Sussurros da novidade
- Dora Kramer - Um indignado de plantão Simon: se fo...
- Clóvis Rossi - O ídolo de si mesmo
- Celso Ming - Água para exportação
- Fernando Rodrigues - "Concertación" e "embromación"
- Clóvis Rossi - O espelho e o desemprego
- Dora Kramer - Socialização do prejuízo
- VEJA Maluco e irresistível
- VEJA As razões da razão
- VEJA Cadê a campanha?
- VEJA Siga o candidato
- FLEURY:A alucinação de Botucatu
- VEJA O nebuloso Newtão
- VEJA Um Lula como nunca se viu
- VEJA Briga de sangue
- Roberto Pompeu de Toledo
- Diogo Mainardi
- André Petry
- A opção pelo subdesenvolvimento POR Gustavo Ioschpe
- VEJA Entrevista: William Ury
- Palmas para Aldo! (Por Lucia Hippolito)
- Sérgio Vieira de Mello três anos depois por Jacque...
- Os tempos são outros, sim
- Celso Ming - Histeria lá fora
- Clóvis Rossi - Restou um caudilho
- Dora Kramer - Os bobos da Corte
- Eliane Cantanhede - Lula, 20 anos
- Jânio de Freitas - O futuro
- Luiz Garcia - Alegria escassa
- Merval Pereira - A encruzilhada
- Míriam Leitão - Rali internacional
- Menos bolsa, mais escola CARLOS ALBERTO SARDENBERG
- Caetano na Revista CULT
- O fiel do mensalão por Guilherme Fiuza
- Compromisso com o argumento
- Anistia para Lula
- A fórmula antidemocrática de Lula
- Míriam Leitão - Uma dívida que cai
- Merval Pereira - Concertação
- Eliane Cantanhede - Infidelidade
-
▼
agosto
(456)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA