Folha de S. Paulo
18/7/2006
Perdigão e Sadia simbolizam muito dos melhores valores que o país acumulou em sua história moderna
INDEPENDENTEMENTE do resultado da proposta de aquisição hostil da Perdigão pela Sadia, as duas empresas simbolizam muito dos melhores valores que o país conseguiu acumular em sua história moderna.
A Sadia é vitoriosa de uma estratégia que começou há décadas, no interior de Santa Catarina. Para chegar a São Paulo, a empresa teve que dominar as ferramentas da logística (de onde nasceu a companhia aérea Transbrasil), as promoções nos restaurantes e supermercados. Essa experiência, depois, foi replicada na conquista de mercados internacionais. A empresa manteve-se sob controle familiar, profissionalizou a gestão e teve sorte de ter bons executivos entre os herdeiros. Teve a sorte, na sua origem, de desenvolver um modelo de cadeia integrada de fornecedores que se tornou exemplo nacional. Se outros setores da companhia dispusessem do sistema de disseminação de inovações da cadeia do frango, a economia brasileira estaria em outro patamar.
Já a Perdigão é o símbolo maior das virtudes do mercado de capitais para corrigir empresas em crise. Desavenças familiares condenavam a empresa à falência. Fundos de pensão, investidores assumiram o controle, contrataram um executivo campeão, Nildemar Secches, que deu início a uma experiência fascinante de empresa sem controle centralizado, que dava certo.
As duas empresas caminharam em direção ao mundo, uma aproveitando as experiências da outra, mas cada qual trilhando caminhos diferentes, em relação à estrutura de capital. Em determinado momento, tentaram criar uma terceira empresa, que permitisse unificar esforços de conquista do mercado externo. Não deu certo. Segurar vendedor é mais difícil do que bloquear celulares em presídios. Em lugar de dois exércitos de vendedores, acabou havendo conflito entre três, os de cada empresa e os da empresa associada.
Agora, com a proposta de compra hostil da Perdigão pela Sadia, muita coisa poderá acontecer. Hoje em dia, a Sadia está no Nível 1 da Bolsa, o primeiro nível de governança corporativa. Planeja escalar os níveis seguintes, nos quais há a obrigatoriedade de as ações serem todas ordinárias. Nos anos 70 e 80, a Sadia -por meio da Abrasca (Associação Brasileiras das Companhias Abertas)- estava na linha de frente da resistência contra a universalização das ações ordinárias. Temia-se que as empresas brasileiras, pequenas, sem escala, acabassem dominadas pelo capital financeiro ou por multinacionais.
De lá para cá, muita coisa mudou, especialmente no setor de alimentos. Se houver a decisão de troca de ações, haverá uma enorme empresa de capital aberto, gestão profissionalizada, consolidando os avanços conquistados pelas famílias Fontana e Furlan. Se houver a mera compra de ações da Perdigão pela Sadia, ainda assim se terá uma empresa campeã, a segunda exportadora de frangos do planeta.
Obviamente, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) terá que se manifestar e impor salvaguardas tanto para os consumidores como para os fornecedores de ambas as empresas. Mas se está assistindo ao parto de uma grande multinacional brasileira.