Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 19, 2006

Líbano: quem venceu a guerra?

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Uma vitória do terror

Os radicais islâmicos saem como vítimas
da guerra com Israel, e as conseqüências
disso para o Oriente Médio são péssimas

Analisada do ponto de vista militar, a guerra no Líbano não teve um vitorioso. Em 32 dias de conflito, interrompido por um cessar-fogo na segunda-feira passada, o Exército de Israel não foi capaz de esmagar o Hezbollah, a milícia xiita libanesa, nem de destruir sua capacidade ofensiva. Prova disso é que, no último dia antes da trégua, o Hezbollah disparou 246 foguetes contra Israel, mais do que a média diária de todo o confronto. Os guerrilheiros tampouco conseguiram frear o avanço dos soldados israelenses em seu território, o sul do Líbano. Em termos políticos, no entanto, a vitória foi dos terroristas islâmicos. O Hezbollah resistiu ao Exército de Israel, o mais poderoso do Oriente Médio, com uma quantidade de combatentes muito inferior – algo como um guerrilheiro xiita para cada dez soldados israelenses. Com isso, o prestígio do grupo e de seu chefe Hassan Nasrallah aumentou dentro e, o que é pior, fora do Líbano. As conseqüências para o equilíbrio de poder na região são as mais negativas possíveis. Primeiro porque outros grupos fundamentalistas, como o palestino Hamas, terão no exemplo do Hezbollah um novo estímulo para o uso de métodos violentos para atingir seus objetivos. Segundo porque Israel, cercado por nações hostis, sempre confiou na capacidade militar para dissuadir os vizinhos de agressões. Esse poder de contenção, conquistado em quatro guerras vitoriosas contra os árabes, ficou abalado depois da última campanha no Líbano. O terceiro resultado desastroso dessa guerra é o fortalecimento do Irã, o principal financiador do Hezbollah. Os aiatolás iranianos, com suas ambições nucleares e seu apoio a fundamentalistas xiitas em outros países, são um fator de tensão no Oriente Médio.


Tyler Hicks/The New York Times
Oded Balilty/AP
Acima, tropas israelenses retiram-se do sul do Líbano, para dar lugar à ocupação da região pelo Exército libanês (abaixo, em Tiro). No alto, libanesa olha os estragos em seu apartamento, em Aita Chab: 15 000 casas destruídas
Hassan Ammar/AFP

Esse cenário de pesadelo indica que o primeiro-ministro de Israel, Ehud Olmert, cometeu um erro estratégico ao reagir com força total ao assassinato de três e ao seqüestro de dois soldados israelenses pelos milicianos do Hezbollah, no mês passado. O que começou como uma guerra justa logo se transformou em um massacre de civis, com mais de 1.000 libaneses mortos e 800.000 refugiados. Do lado de Israel, morreram 159 israelenses (a grande maioria soldados) e a população do norte do país foi obrigada a passar semanas escondida em abrigos subterrâneos ou a fugir para o sul. Quando o frágil cessar-fogo entrou em vigor, sob a égide de uma resolução aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU, Olmert não havia conseguido nem a devolução dos soldados seqüestrados nem a garantia de que o Hezbollah não vá continuar disparando foguetes contra cidades israelenses. Resta a Israel a esperança de que o Hezbollah seja desarmado em breve, uma das exigências da resolução 1701 da ONU – junto com a criação de uma faixa de 20 quilômetros no sul do Líbano livre de guerrilheiros xiitas e sob o controle do Exército libanês, com o apoio de uma força de paz internacional.

Na semana passada, o Exército israelense transferiu a maior parte de suas posições no sul do Líbano ao Exército nacional do país vizinho, que, pela primeira vez em trinta anos, pôs os pés na chamada Hezbolândia – região em que o Hezbollah age como um Estado dentro do Estado. Em seguida, meia dúzia de países, liderados pela França, aceitaram enviar ao Líbano 3.500 soldados nas próximas semanas, para antecipar a missão de paz de 15.000 capacetes azuis previstos pela ONU para fazer valer o cessar-fogo. Há, no entanto, duas razões para acreditar que nada disso será suficiente para desarmar o Hezbollah. A primeira é que o grupo não tem nenhuma motivação para entregar as armas voluntariamente. A idéia de convencer o Hezbollah a substituir sua atividade militar por participação política é pouco realista. O grupo usa as armas para compensar a falta de poder econômico dos muçulmanos xiitas – parcela majoritária da população libanesa que tem apenas um quinto da riqueza dos cristãos. O segundo obstáculo ao desarmamento da milícia é que não há quem possa fazê-lo à força. O governo libanês, do qual fazem parte dois ministros do Hezbollah, não tem força nem disposição para ordenar ao seu Exército um confronto com os guerrilheiros xiitas. Os capacetes azuis, cujo mandato por enquanto se resume a observar, também estão de mãos amarradas. "Nessas condições, com a ajuda da Síria e do Irã, o Hezbollah levará só três ou quatro meses para recuperar o arsenal destruído por Israel", disse a VEJA a cientista política americana Sherifa Zuhur, do Colégio de Guerra do Exército Americano, em Carlisle, nos Estados Unidos. Previsão de tempo ruim para o Oriente Médio.

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