Entrevista:O Estado inteligente

domingo, agosto 13, 2006

Folha de S.Paulo - Editoriais: Desconversa - 13/08/2006

Lula tentou despistar o público em entrevista na TV, mas ainda deve explicações sobre corrupção no seu governo

FORAM APENAS 12 desconfortáveis minutos de entrevista -mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderia sem dúvida passar horas diante das câmeras do "Jornal Nacional", na noite de quinta-feira, sem nada de convincente declarar sobre os escândalos que varreram seu governo.
Nas raríssimas entrevistas que terminou concedendo sobre o assunto, sua tática não mudou: trata-se invariavelmente de fazer uma afirmativa aparentemente clara e sincera -"nós erramos", "sou plenamente responsável pelo que acontece na Presidência", "fui traído"- para em seguida diluir qualquer conteúdo que a frase pudesse ter.
Foi traído, mas é incapaz de dizer por quem. Responsável por tudo, é normal que não saiba de nada? Erros houve, mas quais? Se depender do presidente, isso jamais será esclarecido.
Mais um giro na tática da desconversa, e Lula reafirma seu empenho para que "as denúncias sejam investigadas" e "os culpados recebam justa punição". Sim, desde que se tome por "denúncia" o que é flagrante evidência, e desde que, entre os possíveis culpados, não se aponte ninguém.
Aproxima-se da aberta desfaçatez -não fosse a insistência quase anestesiante com que o presidente repete esse tipo de afirmações- a idéia de que em seu governo nada foi feito para dificultar o esclarecimento do mensalão. O que se viu foi uma campanha cerrada contra a instalação das CPIs; nestas, a bancada governista agiu com um misto de provocação, insensibilidade e desatino só comparáveis aos dos piores momentos da "tropa de choque" de Fernando Collor.
Bastante pressionado pelos apresentadores do "Jornal Nacional", Lula deu ainda um passo inédito no sinuoso percurso de negaceios e desentendidos que até agora vinha oferecendo à opinião pública. Na condição de candidato à reeleição, cuidou de retocar uma imagem de administrador rigoroso, sem sombra de tolerância com as irregularidades cometidas por seus subordinados. Prova disso seria sua decisão de afastar José Dirceu, Antonio Palocci e "outros envolvidos" dos cargos que ocupavam.
Eram outras as suas palavras, contudo, quando se despedia desses dois inestimáveis companheiros de jornada. Mais do que um simples discurso protocolar, Lula dirigiu ao seu "querido Zé", por exemplo, palavras de encorajamento na tarefa de "defesa de nosso governo", expressando confiança em que seriam "desfeitas as infundadas acusações" dos adversários.
Reescreve-se agora, em tintas talvez mais verídicas, uma história que o discurso governista já tinha coberto de garranchos, rabiscos, borrões e frases sem sentido. A tentativa, obviamente, é torná-la de tal modo ilegível, que o julgamento da população vacile diante das impávidas profissões de fé do presidente.
Mesmo muitas horas de retórica profusa não poderiam, entretanto, diminuir a gravidade da série espantosa de escândalos e desmandos sobre os quais, ainda uma vez, o presidente está a dever um mínimo de explicações satisfatórias.

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