Entrevista:O Estado inteligente

domingo, agosto 13, 2006

DANIEL PIZA Dia dos Pais

ESTADO
 

Daniel Piza, daniel.piza@grupoestado.com.br

(À maneira de Verissimo)
Domingo, Dia dos Pais, sol intenso. O pai, avançando pela meia-idade, e o filho, de seus 12 anos, conversam enquanto caminham juntos para tomar um café da manhã na padaria. De repente, uma pergunta que espanta o pai:

- Pai, por que todo político é ladrão?

- Hmm... Não é bem assim, filho. Muitos não são.

- Muitos, quantos?

- Não sei dizer. Difícil quantificar.

- Mas é a minoria.

- Por que você diz isso?

- Ué, pai, você não vê TV, não entra na internet? Outro dia pegaram toda a Assembléia de Rondônia.

- É, eu vi.

- Vinte e quatro deputados. Menos um.

- Está vendo? Nem sempre político é corrupto.

- Sabe o que esse um disse? "Ninguém é 100% honesto." O que significa que todos são desonestos em alguma medida, não?

- Mas isso foi...

- Lá em Rondônia? E os sanguessugas? E os mensaleiros? Pelo menos um terço do Congresso está num esquema, no outro ou nos dois.

- As pressões devem ser muitas. O dinheiro passa por eles o tempo todo, na forma de verbas, de emendas, etc. O sujeito não agüenta, infelizmente.

- Então todo bancário é corrupto?

- Por quê?

- Eles também mexem com dinheiro dos outros o tempo inteiro!

- Sim, quero dizer, não, mas...

- É como dizer que não existe marmelada no futebol.

- Ah, mas aí você se engana. É só de vez em quando.

- Claro, o cara precisa disfarçar, está sendo visto ao vivo por milhares de pessoas no estádio e milhões de pessoas pela TV. Mesmo assim, aquele Edílson conseguiu várias vezes. Lá na Itália também foi feia a coisa. Isso para não falar no dinheiro de contratações em paraísos fiscais...

- Mas não se pode generalizar, filho.

- Eu sei, pai. (Pausa) Estou só dizendo que talvez a gente veja muito menos corrupção do que ocorre. E não é só na política, não. Você viu aquele diretor de presídio que levou R$ 20 mil para o Marcola tomar banho de sol? E aquele delegado que tinha dois Jaguar na garagem?

- Vi. Mesmo assim...

- Você vai dizer que existem policiais honestos. Então, por que tantos se parecem cada vez mais com os bandidos? Fazem tráfico de armas, de drogas...

- Tem muita impunidade. Nossas leis não são cumpridas. Nossa Justiça é lenta.

- E corrupta também. Mas cadê a população honesta? O presidente diz que seu partido faz caixa 2 e depois diz que ninguém tem mais ética do que ele. E todos ficam quietos, como se concordassem...

- Não é que concordam. Não é bem assim.

- Dá na mesma, né, pai? Parece que todo mundo tem rabo preso. Empresários sonegam, comerciantes pagam propinas a fiscais, empreiteiros fraudam licitações, escolas aprovam os alunos para melhorar as estatísticas, cineastas superfaturam orçamentos, atletas se dopam. E a culpa é só do poder público?

- Você está certo, filho. Não quero soar ingênuo. Mas só lembrar que existem exceções, que muita gente ganha dinheiro sem roubar.
- Mas não fala nada quando vê alguém ganhar roubando.

- Filho, estamos chegando, mas espera aí. (Segura o braço do filho e eles param a caminhada.) Estou ficando preocupado com você. Assim você vai acabar num cinismo que não leva a nada. E só tem 12 anos! Vale a pena ser honesto, nem que seja para dormir em paz com seu travesseiro.

- Não é bem assim, pai. Eu sei que existem exceções, que corrupção tem em toda parte, que um erro não justifica o outro...

- Pois então.

- Mas eu só queria dizer que o problema é que essas exceções quase nunca estão no comando; raramente são elas que tomam as decisões neste país. Então, a mera existência das exceções não chega a justificar tanta esperança.

- É...

- Por isso mesmo, feliz Dia dos Pais, pai! (Tira um presente do bolso e entrega. O pai sorri, surpreso.) Tenho orgulho de sua honestidade.

A ARTE DE VER
De Cristiano Mascaro, um dos maiores fotógrafos brasileiros, está em cartaz em São Paulo, no Museu da Casa Brasileira, a exposição Cidades Reveladas, título também de um belo livro-catálogo (editora Bei) com textos de Renina Katz, Maria Bonomi, Ferreira Gullar e outros craques. Mascaro sempre cita uma observação de Italo Calvino, a respeito da sobreposição entre a geometria da cidade e a agitação das pessoas, e sua arte consiste justamente em capturar imagens que as combinam em diversas graduações de sombra e luz. A arquitetura da composição ganha riqueza com a condição individual, como na funcionária solitária que vemos ao fundo de uma massa de colunas e arcos neoclássicos do Palácio dos Governadores de Belém. Às vezes, porém, a inexistência de uma figura humana, como no jogo de grafismos das sombras em Cachoeira (BA), não tira da cena seu caráter pessoal. Na foto do Brás, bairro paulistano, vemos algumas pessoas a distância, mas tudo tem uma luminosidade tão difusa, quase úmida, que sentimos São Paulo como ela é para o habitante. Mascaro não embeleza nem denuncia; retrata sutilezas.

CADERNOS DO CINEMA
O filme Zuzu Angel, de Sérgio Rezende, como Olga, de Jayme Monjardim, sem o apuro de produção deste (o cuidado com o som, em especial), cumpre o papel de contar uma história e emocionar boa parte do público. Mas sofre de problemas semelhantes, tanto na linguagem como na abordagem. O excesso de closes e de interrupções melodramáticas, como a da leitura da carta, nem sempre se encaixa no ritmo de "thriller político". Patrícia Pillar está bem no papel-título, transmitindo a sensibilidade e dignidade requeridas, mas falha em momentos cruciais, como quando sabe da morte do filho e se limita a fazer um semblante perplexo e deixar o corpo bater na parede atrás. E o maior problema: a falta de pontos de vista. Todos menos a sensata protagonista emitem apenas palavras de ordem ou frases banais, e o pano de fundo histórico está mais nas roupas e referências do que nos pensamentos - em nenhum momento se vê, por exemplo, Stuart debatendo política ou estratégia com colegas de aparelho. É um filme personalista, para uma história que também vale pelas amplas implicações.

UMA LÁGRIMA
Para Moacir Santos, que morreu aos 80 anos no domingo passado. Foi um maestro e arranjador cuja carreira coincidiu com grandes momentos da música popular brasileira: das bandas nordestinas para a Rádio Nacional, e depois para a bossa nova. Ele deu aula para Baden Powell e Paulo Moura e foi saudado no Samba da Bênção de Vinicius: "Maestro Moacir Santos, que não és um só, mas tantos." Mais tarde, trabalhou com Henry Mancini em música para cinema e seguiu nos EUA. Nos últimos anos, foi redescoberto ou reconhecido pelos brasileiros com os CDs Ouro Negro e Coisas. Suas composições não pegam pela melodia, mas têm sofisticação harmônica e fizeram dele um músico para músicos.

RODAPÉ
Entrevistei na semana passada o crítico cultural inglês Christopher Hitchens, autor de Cartas a um Jovem Contestador, convidado da Festa Literária de Paraty, e não sabia que estava saindo aqui também a coletânea Amor, Pobreza e Guerra (Ediouro), com os artigos e ensaios que escreveu para revistas como Vanity Fair e The Nation. Ele é exagerado na política, como quando diz que o único mérito histórico de Churchill foi envolver os EUA na 2ª Guerra ou que a reação certa ao terrorismo é a invasão de países islâmicos. Mas acerta ao definir Aldous Huxley como "modernista reacionário" ou mostrar a desonestidade intelectual e jornalística de Michael Moore. Sempre viaja aos lugares sobre os quais escreve, como Coréia do Norte. E, se não diz nada muito novo sobre Proust ou Borges, nos faz ler sua leitura deles. Isso não é pouco.

POR QUE NÃO ME UFANO
Um leitor me cobra um quinto ponto em comum entre os governos FHC e Lula na coluna da semana retrasada: o descaso com a segurança pública. É verdade, como mais uma vez se viu nesta semana. A responsabilidade é em boa medida do governo estadual, que se gaba do número muito maior de prisões e da queda dos homicídios em muitas regiões, mas que fez barbeiragens diversas no sistema prisional e agora demonstra problemas no setor de inteligência. Mas o governo federal também não fez quase nada; pouco investiu, engavetou plano de segurança, não combateu corrupção no Judiciário. Limitou-se a se aproveitar de situações críticas para posar de salvador. Em meio ao tiroteio verbal e aos alvos mais e mais simbólicos do PCC, quem perde é o cidadão.

Arquivo do blog