Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 10, 2006

Ele está entre nós Demétrio Magnoli





Folha de S. Paulo
10/8/2006

CENSURAR, vigiar e punir: é isso que fazem algumas grandes corporações de tecnologia da informação. A Google firmou um acordo com o governo da China para oferecer, em chinês, uma versão do seu instrumento de busca dotada de parâmetros de exclusão de documentos "sensíveis". Nessa versão, pesquisas sobre termos associados ao massacre da praça da Paz Celestial não retornam resultados relevantes, enquanto uma busca pela seita Falun Gong conduz apenas a textos de violenta condenação. A Yahoo estabeleceu uma parceria mais perigosa. Há um ano, a empresa entregou ao governo chinês mensagens eletrônicas pessoais do jornalista Shi Tao, que sustentaram o processo judicial pelo qual foi sentenciado a dez anos de prisão, por "crime" de opinião. Não foi um caso isolado: em 2003, usando informações fornecidas pela empresa, um tribunal sentenciou o ex-funcionário público Li Zhi a oito anos de cadeia pelo mesmo "crime". A Google censura, atuando como anexo do ministério chinês das comunicações. A Yahoo funciona como lacaia da polícia política, auxiliando a vigiar e a punir. A Microsoft não liga para Estados: faz as suas próprias leis. Os computadores pessoais no Brasil começaram a receber uma atualização automática do Windows que instala um programa capaz de identificar o registro do sistema operacional, o modelo do computador e o número do disco rígido. O programa espião informa à empresa o resultado da investigação. Caso o Windows seja pirata, o usuário é convidado a adquirir um sistema legal. A atualização automática é instalada com o "consentimento" do usuário, ao qual é apresentado um alerta, escrito na novilíngua da informática. Alegadamente, não são colhidos outros dados. Mas, em tese, não há obstáculo técnico para que o exército de gnus de Bill Gates descubra a configuração do hardware, a lista de softwares instalados, o endereço de IP, os padrões habituais de navegação na internet e o conteúdo de documentos gravados no disco rígido. A captura dessas informações, em larga escala, tem valor incalculável para orientar estratégias empresariais. A posse de informações individualizadas, por outro lado, confere poderes quase ilimitados no terreno da chantagem política e comercial. O sistema operacional é a infra-estrutura básica da "sociedade em rede". O monopólio do Windows implica o pagamento global de tributos compulsórios ao império de Gates. A partir de agora, significa também a renúncia geral ao direito à privacidade e a substituição dos juízes que regulam os processos de investigação, busca e apreensão pela espionagem e coleta eletrônica de informações.

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