Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 10, 2006

Crise das pessoas ou institucional?



Artigo - :: Roberto Macedo
O Estado de S. Paulo
10/8/2006

 Em entrevista a este jornal no último domingo, o jurista Célio Borja argumentou que a crise moral que assola o País é de pessoas, e não das instituições.
Jurista de prestígio, o entrevistado acumulou também grande experiência institucional, pois foi ministro da Justiça, presidente da Câmara dos Deputados e ministro do Supremo Tribunal Federal. Sempre de comportamento pessoal irrepreensível, sua passagem pela presidência da Câmara contrasta fortemente com as marcas dos dois últimos deputados no cargo, um mensaleiro e um trambiqueiro, evidenciando assim a gravidade da crise moral que atravessamos.
Para Borja, o tratamento dessa crise exige responsabilização e punição das pessoas cuja conduta contraria a lei ou os princípios morais. "O Congresso, que tem o poder de cassar mandatos por desvios éticos de conduta, tem de fazêlo... O fato de não ter sido cassado não exime ninguém de responder perante a Justiça penal. Mais importante não é que    
 
Os males se multiplicam, pois as punições são raras e brandas 
 
 
eles não foram cassados, mas o fato de não ter havido responsabilização penal... É preciso criar uma consciência na sociedade de que isso é intolerável e de que os remédios têm de vir pelos meios democráticos." Mas por que não veio a responsabilização penal? Ou quando virá? É difícil dizer que não há uma crise moral de instituições quando um grande número de pessoas que nelas atuam padece dessa crise. De qualquer forma, há a clara percepção, sustentada por inúmeros fatos, de que as instituições que deveriam promover a responsabilização e realizar as punições não cumprem bem o seu papel, o que configura uma crise, independentemente do adjetivo que receba.
Mesmo quando há responsabilização penal, são quase inexistentes as notícias de que vieram efetivas punições. É verdade que as ações policiais à cata de malfeitores que agem em instituições políticas se tornaram mais freqüentes, às vezes prendendo dezenas deles numa única operação, ou mesmo centenas, como na invasão do Congresso pelo Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST). Entretanto, fica-se no prende e solta. Se a Justiça puniu, ninguém sabe, ninguém viu, e tudo indica que prevalece o nada aconteceu, ou que tudo se enrolou na tradicionalíssima lentidão da Justiça.
Assim, mesmo sem sua "própria" crise moral há instituições que não funcionam bem.
Borja concorda com isso, afirmando que "precisam de algum ajustamento". A entrevista, contudo, não se deteve nesse ponto muito importante, pois se voltou particularmente para discutir a proposta do presidente Lula de uma Constituinte exclusiva para realizar uma reforma política, que Borja rejeita.
Na realidade, a questão vai além de "algum ajustamento", pois este precisa ser forte e sua realização depende de pessoas das quais não se podem esperar os ajustes necessários. Estes vão na contramão de sua estatura moral e dos interesses que ela alicerça. Aí está o nó da questão.
Tome-se, por exemplo, uma questão crucial, a da distorcida representação política produzida pelo sistema de votação proporcional para escolha de deputados. Nele a interação do candidato com o eleitor praticamente se restringe ao momento da eleição; não há prestação de contas nem cobrança de desempenho; o eleitor pode dar mandato a candidatos desconhecidos ou a gente em que não votaria; o alto custo das campanhas favorece o poder econômico ou estimula a busca dele mediante compromissos e práticas desonestas; e favorece a eleição de grupos minoritários, mas com grande capacidade de mobilização e recursos para buscar votos em várias regiões de um mesmo Estado. De democrático o sistema só tem, se tanto, a aparência.
Um claro exemplo da atuação de distorções desse tipo foi mostrado na mesma edição deste jornal, na matéria Evangélicos no olho do furacão. Mostra que, dos 90 deputados notificados na semana passada pela CPI dos Sanguessugas, 30
eram bispos, pastores e obreiros que se elegeram com o discurso da moralização, e informa também que 62 (!) parlamentares integram a bancada evangélica, que atua como se fosse um partido político. E com representação exagerada, que não resistiria ao sistema de eleição distrital que defendemos (mas como aprová-lo por parlamentares eleitos pelo sistema proporcional?), pois seriam raros os distritos em que esse grupo seria majoritário.
O exagero de hoje se explica pela capacidade de mobilização, e há a perspecti- Luiz
va de vermos este último número ainda maior, pois mesmo com o escândalo os evangélicos mantêm sua meta de dobrar o número de deputados este ano. De acordo com o professor Ari Oro, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, citado nessa segunda reportagem, eles costumam dizer aos fiéis que a presença do demônio no Congresso é tão forte que até homens enviados por Deus sucumbem. E, em seguida, "que é preciso reagir ao demônio, enviando homens mais fortes e em maior quantidade".
Nas próximas eleições, essa será a pregação geral dos candidatos a deputado, evangélicos ou não, ainda que também em outros termos. Mas com o sistema eleitoral em vigor, em termos probabilísticos, o que se pode esperar é mais um grande número de sucumbentes às tentações, pois esse tem sido o resultado de sucessivas eleições, agravado por males que se multiplicam, uma vez que as punições são raras e brandas.
Por isso mesmo, já perdi a esperança de que a eleição de novos deputados possa resolver o problema. Certamente haverá os bem-intencionados, mas sem condições de se sobreporem aos malfeitores, quando não aderirem a esse grupo. A vantagem síntese do sistema distrital é que ele prende os deputados aos cidadãos que representam. Soltos, como hoje, o risco do mal fazer é muito maior.


 

 
 
 

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