O Estado de S. Paulo |
4/8/2006 |
Restringir ação de CPI e constituir um poder paralelo são cacoetes do arbítrio Senão vejamos em que ambiente estamos vivendo: um grupo de advogados vai numa quarta-feira à tarde ao gabinete do presidente da República entregar a ele uma proposta para restringir os poderes das comissões parlamentares de inquérito e, já que estavam ali mesmo naquele bate-papo a respeito de como tolher investigações e interferir no Legislativo, causídicos e presidente têm uma idéia: instituir um poder paralelo, não previsto na Constituição, para fazer a reforma política. "Por cima" do Congresso, ignorando o Parlamento, reinventando o sistema representativo, construindo uma institucionalidade peculiar, privatizando corporativamente prerrogativas de Estado. Assim mesmo, ao molde de um Hugo Chávez estilizado, por mais ameno nos modos e nos métodos. A fim de tornar distinta e de coloração democrática a proposta de criação de um poder em laboratório, deu-se a ela o nome de Assembléia Nacional Constituinte exclusiva e condicionou-se sua existência à aprovação da Ordem dos Advogados do Brasil e ao clamor da sociedade. Considerando que se há anseio da população a respeito da política é uma demanda pela extirpação do banditismo no exercício da vida pública e que da autorização da OAB ninguém necessita para viver, sobra-nos a evidência de que o presidente da República e os advogados jogaram conversa fora. Pois bem, então por que mesmo perder tempo com assunto inútil? Porque o grave nessa história é que a conversa foi de cunho absolutamente autoritário. Não há chance de nenhuma das duas sugestões prosperar, mas o fato de o presidente Luiz Inácio da Silva, ou qualquer outro ocupante do mesmo cargo, se permitir e permitir a interlocutores trocar idéias referidas em conceitos arbitrários e altamente desabonadores, negativos mesmo para os Poderes constituídos, dá a medida da permissividade do ambiente. E pior, presidente e correligionários reagiram ontem às críticas com muita surpresa, com aquele ar de "o que é que tem?", como se tal invencionice coubesse perfeitamente bem num país que vive há dois anos em permanente crise política, mas que não está diante de nenhum fim de ciclo ou ruptura institucional como ocorreu na transição entre o regime militar e a democracia, 20 anos atrás. E na época não tiveram abrigo as propostas de Constituinte exclusiva. Foi o Congresso eleito em 1986 o encarregado de montar a nova ordem. Na ocasião, chegou-se a juntar um grupo de "notáveis" da sociedade que elaboraria um esboço da nova Carta, idéia logo deixada de lado por evidentemente elitista. Agora, aponta o deputado Paulo Delgado, um dos poucos governistas a se manifestar com discernimento e sem sabujice sobre o tema, reúnem-se "notáveis de banca advocatícia" para tratar de uma "ilusão elitista" de que podem "organizar o País". Enquanto isso, acrescenta o deputado, a questão essencial a ser tratada é deixada de lado. E qual seria essa questão essencial? "Saber como estabelecemos um novo padrão de convivência política, compreendendo que os vícios começam no Poder Executivo. É no presidencialismo de cooptação que se origina tudo. Nele o Parlamento se inspira para produzir seus vícios." Na opinião dele, a proposta de convocar uma Constituinte paralela ao Congresso é uma tentativa de "desinconstitucionalização" do País e da política. Reproduz uma visão "pessimista" e antiparlamentar, Paulo Delgado reconhece, "muito bem aceita em nosso governo". O defeito grave da proposta, na visão de Delgado, é que ela não tem base na realidade nem guarda relação com as verdadeiras mazelas a serem enfrentadas. "Parece coisa de gente que não quer ver os problemas de frente, não quer fazer o diagnóstico correto porque tem medo de se pôr em discussão. Então, prefere debater coisas sem sentido e achar que o problema são os outros." Os "outros", no caso, seria o Congresso que, lembra Paulo Delgado, não comete os crimes sozinho. "Deputado não compra deputado nem se vende para deputado. O caixa eletrônico está no Executivo e é o produto dessa relação viciada que infelicita hoje o Brasil e desqualifica os três Poderes, o Legislativo e o Executivo por má ação e o Judiciário por omissão." É sobre isso que o presidente da República - e justiça se faça a ele, não é o único - se recusa a falar, preferindo, como fez ontem ao defender sua proposta das críticas recebidas, aprofundar seus ataques ao Congresso. Justificou a convocação de uma assembléia paralela dizendo que o Parlamento não tem "respeitabilidade" para fazer a reforma política. Ou seja, no lugar de capitanear um movimento de superação da crise política convocando "os bons" a dar combate à degeneração dos costumes usando os instrumentos usuais da democracia, o presidente da República prefere desqualificar mais ainda o Parlamento, impregnando na sociedade o negativismo que paralisa, desanima, a todos iguala e dissemina a desesperança, semente do autoritarismo. |
Entrevista:O Estado inteligente
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sexta-feira, agosto 04, 2006
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