Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, agosto 18, 2006

A dignidade política nas listas dos partidos Sandra Cavalcanti

O ESTADO


A campanha eleitoral está iniciada oficialmente. Carros de som já aborrecem nas ruas, papéis enchem nossas caixas de correio, pessoas começam a nos telefonar com convites para reuniões, as revistas, os jornais e as rádios fazem comentários sobre candidaturas e programas. Felizmente, parece que as cidades vão escapar daquela deplorável condição de lixeira, quando eram emporcalhadas por faixas, bandeirolas, pichações e retratos, sem respeito algum. Infelizmente, porém, o sistema eleitoral ainda será o mesmo de sempre. Para o cargo de presidente a indicação será direta. Para o Senado, também - muito embora persista a prática de serem eleitos suplentes que ninguém conhece direito.

O triste de tudo é que o voto proporcional - do qual dependem as eleições dos deputados estaduais e federais - fraudará o desejo dos brasileiros, que gostariam de melhorar a qualidade das suas Casas de representantes. Por enquanto, o eleitor escolhe um e acaba elegendo outro...

Para agravar, ainda mais, o malefício congênito do voto proporcional, a opinião pública está estarrecida, como nunca, com a vinda à tona de todo o conluio de corrupção e desregramento entre os Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo, apurado nestes três últimos anos.

Que o sistema é frágil, indefeso e permissivo, isso sempre se soube. Mas também é verdade que, mesmo assim, quando as pessoas cultivam valores morais e revelam firmeza de caráter em seu comportamento, as instituições continuam a ser respeitadas. Ninguém está obrigado a ser ladrão.

Quando um chefe de Executivo concorda em aliciar deputados e senadores de outras legendas, comprando-lhes a consciência com dinheiro vindo de fontes espúrias, fica claro que a fraqueza não partiu das instituições. Ela veio da falta de caráter dos corruptores e dos corruptos. Ninguém foi levado ao cadafalso nem submetido a choques elétricos...

Essa situação constrangedora convida o eleitor a uma reflexão mais profunda. Como a reforma eleitoral não foi feita, vai ser com este instrumental inadequado que vamos ter de lidar.

Que atitude adotar com os que tomaram parte ativa e passiva nos episódios apurados de caixa 2, sanguessugas, mensalões, valeriodutos, quando o nome deles aparecer nas listas de candidatos ao Congresso? Que poderes tem o eleitor para enfrentar essa desaforada conivência ou essa estratégica omissão de alguns partidos? A resposta é uma só: evitar tal legenda!

Os eleitores devem-se manifestar. Se o partido ousar incluir na sua lista de candidatos um só nome - um único que seja! - de político que fez parte de qualquer uma dessas falcatruas, fuja da legenda. Esta é, enquanto não adotamos o voto distrital, a única defesa do eleitor. O eleitor não pode influir na lista, infelizmente. Mas pode e deve rejeitá-la se ela abrigar corruptos. Os partidos precisam saber disso desde já. O eleitor sabe que, de hoje até o dia 1º de outubro, o único poder de cassar os membros das quadrilhas que atuaram, de forma tão despudorada, nestes últimos anos do atual governo está na elaboração das listas de candidatos dos partidos.

Portanto, só os partidos podem agir agora.

Pensem bem na dramática situação do candidato bom, decente, honesto, que vê, na lista de seu partido, o seu nome e o nome de vários integrantes de mensalões, valeriodutos, bingões, sanguessugas, caixa 2, etc. Mesmo que o seu eleitor, também decente, queira votar nele, como fazê-lo sem escrúpulos se, na lista desse partido, aparecem aqueles corruptos indesculpáveis?

Há alguma coisa que o eleitor possa fazer? Há: fugir da legenda no dia da eleição. E cabe aos partidos fazer alguma coisa? Sim, negar a legenda agora, no período eleitoral. Agora só os partidos ainda podem agir. Só eles. Cabe a eles, sem novas leis e sem processos, negar legenda aos candidatos contaminadores.

Surgiu por aí uma tese diversionista, segundo a qual "o Congresso tem meios e modos de impedir os registros desses maus candidatos". Pura conversa fiada. Mas serve para confundir. Neste período é absolutamente impossível votar tal medida. Aliás, o autor dessa manobra é muito criativo... Já foi condenado pelo STF por crime de difamação, injúria e calúnia, em campanha eleitoral. Faltava ainda meio ano para o cumprimento da pena, em regime de sursis, e eis que ele apresentou, milagrosamente (sic!), as certidões negativas exigidas por lei para se candidatar a deputado federal constituinte. Velhas manobras. Velhos truques.

Mas vamos ao nosso tema principal, isto é, à busca de uma solução real e imediata para o drama dos candidatos de nome limpo e dos eleitores bem-intencionados. A solução está com os partidos. Só eles dispõem de um instrumento eficaz e imediato: negar legenda a corruptos!

Pode até ocorrer que, para muitos eleitores, o comportamento imoral de alguns políticos não seja tão grave assim. Afinal, muitos políticos são muito parecidos com seus eleitores.

Se houve eleitores que só votaram pensando em beneficio próprio, deixando de lado o bem do Brasil, para esses os mensaleiros não são objeto de escândalo. Se houve empresas que ganharam concorrências e licitações superfaturadas, sangrando com manobras escusas o difícil dinheiro do povo, para elas esses sanguessugas não são causa de remorsos. Se houve milhares de pessoas aquinhoadas com cargos públicos, sem concurso e sem competência, para esses companheiros, amigos e parentes, o aparelhamento da máquina pública é um ato de benemerência.

Graças a Deus, porém, a esmagadora maioria de nossa gente quer a melhora das Casas legislativas. A recuperação da dignidade política de nossos representantes vai depender das listas dos partidos. E a sobrevivência dos partidos, também.

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