Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, agosto 01, 2006

Celso Ming - Ensaio de orquestra




O Estado de S. Paulo
1/8/2006

A política econômica precisa mudar. O problema está em saber o que mudar e em que direção mudar. O primeiro dia do 3.º Fórum de Economia da Fundação Getúlio Vargas, em realização ontem e hoje em São Paulo, foi um bom debate, mas apontou mais divergência do que consenso.

Do problema de fundo quase ninguém diverge. É o crescimento econômico medíocre num ambiente de juros altíssimos.

"Que estabilidade é essa que precisa dos juros mais altos do mundo para conter a inflação a 4% ao ano?" - perguntou Josué Gomes da Silva, presidente do Iedi, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial. O economista Paulo Rabello de Castro acrescenta mais uma dúvida na qualidade da estabilidade monetária: "Não são apenas os juros mais altos. É o programa de estabilização mais longo da história: já tem 12 anos."

Os debates têm ambição política. Pretendem estabelecer diretrizes para a política econômica do próximo governo. Se alguém tivesse alguma dúvida, poderia tirá-la ao identificar o grasnado tucano: Luiz Carlos Bresser Pereira, Yoshiaki Nakano, Luiz Carlos Mendonça de Barros, José Roberto Afonso, Roberto Giannetti da Fonseca, Rubens Ricupero, Gilberto Dupas - e talvez não seja preciso mais para saber que o objetivo é mesmo reescrever a partitura da política econômica do eventual governo Alckmin.

Duramente criticado pela professora Eliana Cardoso, que denunciou a pretensão dos economistas de curar os males da vida com poções mágicas, o principal expositor de ontem, o professor Yoshiaki Nakano, não escondeu sua fé na capacidade do Estado em produzir resultados econômicos imediatos. Ele vê inconsistências na condução econômica do governo Lula: "Objetivos estreitos que impedem a obtenção de equilíbrios duradouros, instabilidade e estagnação."

Nakano quer um choque fiscal baseado em contração das despesas públicas. Ele recomenda a já conhecida proposta do ex-ministro Delfim Netto, de obtenção de um déficit nominal zero (que inclui os juros). Mas parece mais duro do que Delfim na medida em que pretende que essa meta seja atingida em três anos.

O principal avanço deste período Lula foi a reversão das contas externas. Delfim Netto entende que esse equilíbrio não é mérito do governo Lula, mas fruto da virada da economia mundial, "um presente de Deus". Nakano não acredita nessa virada. Ele concorda com Delfim em que o ajuste externo se deveu a circunstâncias externas fortemente favoráveis. Mas adverte que mais cedo ou mais tarde, a festa acabará e o Brasil estará novamente diante do problema da fuga de capitais.

Nesse ponto Nakano assume a já conhecida proposta do ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira e pede intervenção do governo na entrada e saída de dólares: quer controle do fluxo de recursos, seja para que a entrada de capitais não produza valorização cambial (baixa do dólar) que desestimule exportações e, portanto, o crescimento econômico, seja para para impedir fuga de capitais em tempos de crise.

O professor Luiz Fernando de Paula, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), concorda com Nakano e também defende um rigoroso controle de capitais, para reduzir a indesejada volatilidade do câmbio. Ele quer medidas que dificultem a entrada de capitais estrangeiros, especialmente os investimentos em carteira de títulos. E dos residentes no País quer a volta das restrições ao investimento financeiro no exterior.

A economista Eliana Cardoso avisa que esses truques que pretendem impedir o fluxo de recursos não funcionam e que o ajuste tem de concentar-se na redução das despesas públicas.

O ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros discorda de que o atual ajuste externo seja temporário. "Seja obra de Deus ou do Diabo, ele veio para ficar. Estão sobrando capitais lá fora. Um dos maiores problemas da economia é o de que a dívida interna é grande demais para o tamanho da poupança dos brasileiros. Por isso, atrair investidores estrangeiros para assumir dívidas em reais pode ser a saída. E foi isso que o economista Joaquim Levy começou a fazer quando ocupou a Secretaria do Tesouro. Mendonça de Barros adverte que uma forte entrada de capitais pode derrubar ainda mais o dólar, algo que precisa ser compensado. Mas não recomenda o controle do fluxo de recursos externos.

Pelas diferenças de gosto e ausência de maestro, não vai ser nada fácil obter a afinação da orquestra tucana.

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