Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 19, 2006

CELSO MING Efeito contrário

O ESTADO

celso.ming@grupoestado.com.br

A cotação do dólar segue mergulhando, o Banco Central continua diante de uma sinuca cambial e, uma a uma, as propostas dos exportadores para virar o jogo se perdem nas contradições ou não funcionam. São erros de diagnóstico ou falta de determinação para atacar as causas.

A primeira quase-unanimidade foi ver o derretimento do dólar como efeito dos juros altos. Assim: os especuladores tomavam empréstimos em dólares a 6% ao ano, aplicavam em reais no mercado financeiro, onde podiam obter 19% ao ano em termos líquidos (descontada a inflação e o Imposto de Renda), e garantiam, no mole, 12% ao ano.

Alguns pregam controle do fluxo de capitais, sugestão descabida porque não há forte entrada de capitais. Na falta de ingressos financeiros líquidos que justifiquem o tombo do dólar, apareceram explicações extras, também capengas. Não seria o dinheiro de empréstimos que estaria invadindo o câmbio interno. O estrago seria causado pelos recursos do exportador prontamente aplicados no mercado financeiro interno para garantir rendimento extra.

Foi dito, também, que, graças aos mecanismos disponíveis no mercado de derivativos (câmbio futuro), não é preciso trazer recursos externos para apostar na valorização do real e influenciar o mercado do dólar à vista. Apostas feitas no exterior (sem entrada de recursos) puxam cotações do mercado futuro para baixo.

Os juros altos não explicam. Em setembro de 2005, a diferença entre os juros internos básicos (Selic) e os juros básicos nos Estados Unidos (Fed Funds) era de 16 pontos porcentuais. De lá para cá, a Selic caiu 5 pontos porcentuais ao ano. No mesmo período, os juros básicos nos Estados Unidos subiram 1,5 ponto porcentual. Os dois números somados perfazem 6,5 pontos porcentuais (que derrubaram a diferença para 9,5 pontos porcentuais), magnitude suficiente para começar a virar a gangorra, se uma coisa tivesse a ver com a outra. Mas o dólar não parou de cair. Conclusão: a diferença de juros não é relevante a ponto de influenciar o câmbio.

A flexibilização do câmbio, outra bandeira dos exportadores, foi parcialmente adotada pelo governo federal. Na medida em que o exportador puder deixar seus dólares no exterior, a oferta no câmbio interno aumentará e as cotações poderão ser contidas. Porque a decisão passou a vigorar há poucas semanas, seus resultados ainda não podem ser aferidos. Mas ninguém acredita que a flexibilização possa reverter a trajetória do câmbio. Pode produzir efeito contrário ao pretendido porque tende a aumentar a confiança externa e atrair dólares.

Outra batalha dos exportadores foi o aumento da agressividade do Banco Central nas compras de dólares. Quinta-feira, as reservas externas ultrapassaram os US$ 70 bilhões. Só em julho, comprou US$ 4,4 bilhões. Nos primeiros 18 dias de agosto devem ter sido US$ 3,5 bilhões. Nesse ritmo, as reservas chegarão aos US$ 90 bilhões até o final do ano. E, no entanto, o dólar segue caindo. E mais: reservas altas reforçam a percepção de que a economia vai bem e, assim, mais dólares deixam de sair do País e mais dólares entram.

Na raiz dessas propostas equivocadas está a idéia de que é preciso desvalorizar o real para encorajar as exportações. Ora, as exportações estão crescendo neste ano perto de 16% e deverão repetir o superávit comercial do ano passado, de US$ 45 bilhões. Se é para aumentar ainda mais as exportações, mais dólares serão faturados e mais o real se valorizará.

O erro mais grave é que exportadores e economistas estão lidando com sintomas e não com as causas do problema. A questão principal é que o governo gasta demais. Neste ano, as despesas correntes (salários, aposentadorias e custeio da máquina) estão aumentando 14%. Mais gastança repuxa a carga fiscal e deixa pouco para o consumo e para o investimento. Com menos consumo e menos investimento, o País cresce pouco e as importações, também. Importações mais fracas do que as exportações empurram o dólar montanha abaixo.

Enfim, quando a questão fiscal for atacada para valer, os juros cairão naturalmente, a economia crescerá mais e a questão cambial desaparecerá.

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