Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 19, 2006

DORA KRAMER De olho no futuro

ESTADO

Cristovam faz campanha para construir agenda, bandeira e candidatura para 2010

Alguma coisa de muito séria, e deformada, ocorre num país onde um candidato que carrega a bandeira da educação como prioridade nacional é alvo de ironias, é considerado maçante. Como se ele, Cristovam Buarque, falasse de algo exótico, ou então de assunto resolvido, irrelevante até, e não da questão que tirou muitas nações do subdesenvolvimento.

Disposto a não perder o eixo, o bom humor, nem ultrapassar a "linha da barriga" por conta da ingestão das maioneses eleitorais, Cristovam encara com estoicismo o seu 1% nas pesquisas - "Não tenho a virulência necessária para encarnar a indignação exigida pela ocasião" - e rebate o caráter pejorativo do apelido de candidato de uma nota só: "Pelo menos tenho uma, qual é a nota dos meus adversários?"

Ainda assim, pleno da convicção de que sua nota é essencial para a composição da sinfonia Brasil, o candidato discorre sobre qualquer assunto que se lhe apresente. Na sabatina do Estado, por exemplo, falou de saúde, Forças Armadas, segurança pública, energia, economia, política externa, infra-estrutura, reforma política, trânsito, ética, reforma agrária ("O MST não é compatível com o século 21"), justiça social, sem subtrair de nenhum dos temas a devida importância, mas sempre voltando ao ponto de sustentação: a nota inicial da educação.

Mas, como fazer? Discorre longa e detalhadamente a respeito em discurso que pode ser resumido numa palavra: fazendo. É fácil? Dificílimo, coisa para 15 anos e uma completa revolução de cultura e procedimentos.

"É preciso começar. O Brasil precisa decidir se quer enfrentar o problema agora, cuidar das crianças, ou daqui a 20 anos se deparar com esses jovens como bandidos nas ruas."

Senso de realidade não lhe falta, sabe que em matéria de discurso eleitoral sua pauta está em descompasso com a demanda geral por indignação, denúncias e veemência. Por isso suas palavras não sensibilizam nem mobilizam as intenções de voto do eleitor. Na opinião dele, a senadora Heloísa Helena faz sucesso porque traduz na própria figura o sentimento que ele também tem, mas, reconhece, não consegue personificar.

Cristovam mesmo achou graça outro dia, quando uma jornalista perguntou, em Barcelona, qual seria seu "primeiro gesto" como presidente da República. "Ela não sabia dos 1%." A despeito disso, não entrega os pontos, mas também não faz concessões à dinâmica meramente publicitária das campanhas.

"Meu pessoal de comunicação diz que preciso ser mais incisivo, emocionar, me mostrar indignado com tudo isso que está aí, mas soaria artificial, teria de me esforçar para vestir o personagem."

Cristovam, portanto, segue na batida que considera adequada à sua personalidade e vai pregando suas idéias com a tranqüilidade de quem tem mais quatro anos de mandato no Senado - "Deste ponto de vista sou o único já eleito" -, uma tribuna diária assegurada e é filiado a um partido, o PDT, que, na opinião dele, sobreviverá à obrigatoriedade de conquistar votos de 5% do eleitorado (cláusula de barreira) e poderá absorver outras siglas interessadas em mudar a agenda do País, de forma a que a eleição de 2010 seja mais propositiva e menos negativista que a atual.

Reluta em classificar como de "esquerda" esse grupo, mas, no fundo, é isso mesmo. Ele sonha em retomar a trajetória abandonada pelo PT no meio do caminho. Cristovam Buarque sempre foi um petista crítico do próprio partido.

Desde a fundação - quando era então apenas simpatizante, pois politicamente sua identidade era com Leonel Brizola - prega que o PT deveria cumprir três fases, passar por três gerações: a inicial, heróica, a sindicalista, reivindicatória, e evoluir para a etapa propositiva, de realizações sob a ótica da sociedade como um todo e não apenas das corporações e do aparelho partidário.

Na visão dele, o PT parou na segunda fase, acomodou-se com a conquista do poder e agora está diante do dilema de aceitar ser um simples anexo do projeto personalista de Luiz Inácio da Silva ou se reencontrar com sua história.

Mas, ainda que se reencontre, ele, Cristovam Buarque, não volta. "Quem saiu de mim foi o PT não o contrário." Se, lá na frente, for ele o candidato viável para tentar em 2010 liderar o que chama de "força alternativa" ao binômio PT-PSDB, muito que bem. Candidata-se de novo a presidente, a única maneira de concretizar seus planos "subversivos" de reconstruir o Brasil - "O País está se desfazendo" - a partir da consolidação da educação como valor tão forte quanto a estabilidade econômica.

Ministro não será de novo. A experiência no governo Lula mostrou que mudanças de fundo quem conduz é o presidente. "Se ele quiser e souber aonde quer chegar, usa a força para juntar a sociedade, as instituições, as organizações em torno de um projeto de nação. Se não quiser e não tiver rumo, se acomoda na lógica do poder pelo poder."

Desnecessário perguntar, por que Cristovam deixa patente o seu pensamento, se foi isso o que aconteceu com a experiência do PT no poder.

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