Entrevista:O Estado inteligente

domingo, agosto 13, 2006

Celso Ming - Crédito caro e farra fiscal

ESTADO

celso.ming@grupoestado.com.br

Nas discussões do seminário que o Banco Central organizou sexta-feira, no Rio, para discutir "Estabilidade de Preços no Brasil", pouco ou quase nada se falou de inflação, o que pode ter surpreendido aqueles para os quais o Banco Central "só pensa naquilo e não está nem aí para o crescimento econômico".

Pois foi bem ao contrário. Nessa sessão do seminário só foram tratadas as condições para o crescimento econômico.

Entre as preocupações do economista Armando Castelar, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), estão o excessivo custo do crédito para o tomador (spread bancário) e o baixo nível de abertura da economia brasileira.

O ataque à primeira dessas condições horroriza os bancos, que fazem de tudo para manter a fatia deles onde está. A reivindicação de aumento da abertura da economia às importações horroriza os empresários, que temem a concorrência do produto importado.

"Somos medalha de bronze em spread bancário, no mundo em que a medalha de ouro é de Angola. Com juros bancários tão altos, não há como expandir os negócios", disse Castelar.

As importações baixas demais em conseqüência da estreita abertura comercial do Brasil deixam um subproduto: o vigoroso superávit, de 1,5% do PIB, nas contas correntes (que incluem comércio exterior de mercadorias e de serviços mais as transferências unilaterais de recursos). Nessas condições, obrigam o Brasil a exportar poupança (emprestar dólares para países ricos), o que é forte obstáculo ao crescimento - advertiu Castelar.

O professor Cláudio Haddad, diretor do Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (Ibmec), abriu fogo contra o regime de reserva de mercado desfrutado pelos bancos. É o que explica por que o crédito é tão caro e por que apresenta volume tão baixo na economia: não passa de 32% do PIB.

Haddad foi mais longe. Diante de todo o estado-maior do Banco Central, ele denunciou a existência de uma renitente aliança tácita entre o sistema financeiro brasileiro e o próprio Banco Central. É esse conluio, segundo ele, que dificulta o aparecimento de novas instituições financeiras no Brasil que enfrentem os bancos. "Já fui diretor do Banco Central e sei disso. Os bancos fazem de tudo para boicotar o surgimento de qualquer concorrência nova ao mercado deles."

Ele explicou que a Lei 4595, que regula a matéria, é rígida demais. Foi elaborada nos tempos em que prevalecia a ideologia do controle, em nome da defesa do País contra o risco sistêmico (crise em cadeia da rede bancária). "Essa lei exagera na proteção aos bancos e impõe custos excessivos à sociedade."

O professor Rogério Werneck, da PUC carioca, centrou suas críticas à excessiva carga fiscal, enorme obstáculo ao crescimento econômico sustentável. "É um leviatã tributário."

Ele observa que, no período 1991-94, as receitas do setor público não passavam de 25,6% do PIB. Em apenas onze anos, foram para 37% do PIB. A explicação que ele dá para esse salto de 11,4 pontos porcentuais é a Constituição de 1988. Ao longo dos trabalhos da Constituinte, o único setor que não contou com representantes foi o governo federal, que foi passado para trás na maioria das matérias tributárias. Para compensar essa lacuna, os anos seguintes foram dedicados à escalada tributária, sustentada pelo governo federal com toda a sorte de artimanhas políticas.

E Werneck arremata: "Muita gente afirma que esse salto da carga tributária foi dado para sustentar os juros altos. Nada disso; essa carga tributária existe para garantir a farra.

Agora, uma observação sobre a inflação (veja o gráfico). Os analistas do mercado já vinham projetando uma inflação de 3,74% para todo este ano. Depois de conhecido o avanço do IPCA de junho, de apenas 0,19%, é muito provável que as projeções do setor privado caiam ainda mais, coisa a conferir nas próximas edições da Pesquisa Focus, do Banco Central.

Esses prognósticos têm um problema: não levam em conta o reajuste quase inevitável nos preços dos combustíveis depois das eleições.

O último reajuste da gasolina foi em setembro do ano passado, quando o petróleo valia US$ 66 por barril de 159 litros. Sexta-feira, fechou em Nova York a US$ 74. Mesmo que sejam graduais, os próximos reajustes provocarão certo estrago na inflação. Nas próximas semanas, analistas e consultores deverão considerar esse impacto nos seus prognósticos.


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