BLOG JORNALISTA DIEGO CASAGRANDE
Pouca atenção tem sido dada à eleição de senadores e deputados, como
se ela fosse residual em relação à eleição de governadores e do
presidente da república. Todo o foco está centrado nos representantes
mais importantes do Poder Executivo, numa espécie de desconsideração
para com aquele poder encarregado da elaboração, avaliação e
aprovação de leis. Podemos aqui nos socorrer da teoria de
Montesquieu, relativa à independência e ao equilíbrio de poderes,
para ressaltar o quão desequilibrada se encontra a representação
política brasileira, pois essa desconsideração deita raízes não
apenas na natureza própria do presidencialismo brasileiro, mas,
também, no projeto de poder do atual governo e do PT.
Evidentemente, um governo que governa por medidas provisórias termina
arrogando para si a capacidade de elaboração e proposição de leis que
passam a vigorar imediatamente, sem necessidade de uma aprovação
preliminar. Essa prática era usual nos governos anteriores, porém foi
potencializada no governo atual, acentuando, portanto, o caráter
subordinado e secundário do Poder Legislativo. Quando um instrumento
que deveria ser apenas utilizado em circunstâncias de urgência se
torna corriqueiro, há uma ameaça em curso, na medida em que a Câmara
de Deputados e o Senado se tornam instâncias que somente terminam por
referendar o que são decisões e iniciativas do Poder Executivo. Ou
seja, se no sistema presidencialista do tipo brasileiro o Poder
Executivo se sobressai em relação aos outros poderes, o uso
indiscriminado de medidas provisórias deforma ainda mais o sistema da
representação política.
Na perspectiva da democracia representativa, a representação
parlamentar é da maior importância, pois, através dela, se estabelece
todo um sistema de delegação de poderes, que vincula o representante
a um estado e, nele, a determinadas regiões ou grupos sociais e
econômicos. Se não há uma instância parlamentar eficiente que assuma
suas funções e responsabilidades, se abre a possibilidade de que, por
exemplo, um presidente da república passe a exercer o seu poder sem
limites, não obedecendo a nenhum condicionamento propriamente
político. Mais especificamente, a tentação da desmedida do poder se
faz presente em projetos de tipo populista onde o presidente, sob a
forma do líder carismático, entra em relação direta com as massas,
prescindindo da (ou pressionando externamente a) representação
parlamentar.
Se a isto acrescentarmos o processo de corrupção, tal como apareceu
no valerioduto e no mensalão, observaremos que o Poder Legislativo
foi ainda objeto de um outro tipo de enfraquecimento. Com efeito, a
compra de deputados pelo governo e por seu grupo partidário de poder
revela um menosprezo pela instância da representação parlamentar. O
Brasil viveu e está vivendo uma experiência inusitada, que se faz
numa dupla vertente: a) a de que o governo usa da corrupção para a
aprovação de seus projetos, como se esses não pudessem ser objeto de
uma ampla negociação, que envolveria idéias e projetos, além do
diálogo com os partidos da oposição em função de leis que
beneficiariam a nação como um todo; b) contudo, o problema é ainda
mais grave, porque a corrupção se tornou sistemática e partidária,
voltada para a consolidação do poder hegemônico do partido que ganhou
as últimas eleições, como se ele estivesse fadado a permanecer
indefinidamente no poder.
Ora, o problema consiste em que ambas ações e, em particular a
segunda, revelam um tipo de exercício do poder voltado para o
sufocamento de um poder republicano e, com ele, distorce
profundamente a representação política. Ou seja, a despeito de que os
atuais governantes utilizem profusamente a palavra república para
qualificar as suas ações, eles estão sendo visceralmente anti-
republicanos. Na verdade, quando este tipo de prática se consolida ou
se torna sistemática, as liberdades começam a ser ameaçadas. Eis
ainda por que é da maior importância que a população brasileira
acorde para o problema da representação parlamentar e não volte a
escolher deputados e senadores comprometidos com esse esquema de
corrupção que tomou conta dos poderes republicanos.