Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, junho 02, 2006

Luiz Garcia - Bola e voto





O Globo
2/6/2006

Em 1970 e 1974, muita gente boa perdeu sono com um dilema: torcer ou não pela seleção brasileira. Não torcer — porque a vitória poderia ser explorada como um êxito do regime militar? Ou torcer: uma coisa nada tinha a ver com a outra, e o povo (intelectuais de esquerda inclusive) merecia essa alegria?

A vitória no México foi fartamente explorada por Brasília. E o presidente Médici correu o risco de ser responsabilizado, mesmo que ninguém se metesse a besta de fazê-lo abertamente, em caso de derrota. Mas, se tivéssemos perdido, ele com certeza mereceria o castigo: meteu o bedelho na seleção abertamente — com um empenho que beirou o ridículo.

Na confusão, caiu o técnico João Saldanha (que tinha o duplo defeito de ser inteligente e de esquerda) e foi convocado um jogador (Dario "Peito de Aço"), que não chegou a jogar.

A foto de Médici comemorando um gol com o radinho de pilha colado no ouvido foi usada e abusada. Mas, no fim das contas, ninguém aferiu se o regime militar se beneficiou ou não com a vitória (nem se perdeu pontos com a derrota em 1974): ainda está para ser inventada alguma maneira de medir, com honestidade e eficiência, a popularidade de um regime de exceção.

Em tempos de democracia, já desde 1950 políticos espertos não se arriscam a tentar a ganhar prestígio e votos nessa roleta russa. Naquele ano, quando a vitória parecia certa depois das goleadas arrasadoras na Suécia e na Espanha, a politicagem comeu solta no Maracanã. Teve gente que literalmente se enrolou na bandeira nacional para fazer discursos patrióticos no vestiário, antes do jogo contra o Uruguai.

Deu no que deu. Mas não há estudos mostrando se o espetáculo bizarro de demagogia foi castigado depois pelo voto popular. Pode ser até que não.

Lembro-me da saída do estádio naquele 16 de julho. Os torcedores não mostravam indignação: estavam literalmente em estado de choque.

Vi muitos chorando, sentados no meio-fio, alguns com exemplares da edição extra de um jornal, popular, impressa e vendida antes do jogo, celebrando como já acontecida a inevitável vitória brasileira. Sequer recordo se alguém denunciou esse golpe baixo do jornalismo popularesco.

Na autópsia da derrota, alguns jogadores — Bigode e Barbosa principalmente — foram estigmatizados, injustamente. O Brasil tinha apenas perdido um jogo em que o adversário fora mais inteligente.

Enfim, os tempos são outros (arguta constatação, não?). Nesta Copa, o presidente Lula que se cuide. Seu amor pelo futebol é conhecido e não tem dado prejuízo maior à sua imagem (principalmente depois que cessaram as peladas dominicais, com pouca bola, muita cerveja e algum uísque). Mas a opinião pública também é mais atenta do que há meio século. Será boa política não tentar faturar desde já uma possível vitória. Primeiro, porque ela pode não vir. Segundo, porque o eleitor, mesmo nos lendários rincões, está mais maduro: não aceitará que alguém fature nas urnas um êxito que não é seu.

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