Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, junho 01, 2006

Incompetência para gastar




editorial
O Estado de S. Paulo
1/6/2006

Dinheiro curto não é a maior barreira ao investimento público no Brasil. Muito mais grave é o despreparo da administração pública. Há dinheiro parado, na Caixa Econômica Federal, por falta de projetos municipais para obras de saneamento. "Antes não havia recurso, os municípios disputavam dinheiro. Hoje o recurso existe e não há projetos", disse a presidente da Caixa, Maria Fernanda Ramos Coelho, numa entrevista ao jornal Valor.

Há pouco mais de uma semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou queixa semelhante, durante a assinatura de protocolos de intenções do programa Saneamento para Todos. O governo federal, segundo ele, está eliminando a chamada "fila burra". Tradicionalmente, prefeitos entravam na fila para conseguir dinheiro, esperavam longo tempo e, quando a verba saía, não tinham como aplicá-la. Enquanto isso, outros ficavam parados aguardando a sua vez. Agora, explicou o presidente Lula, todo candidato a financiamento federal deve apresentar-se com um projeto "mais ou menos pronto e qualificado", para não emperrar o sistema.

A limitação do endividamento, necessária à disciplina fiscal, também não é o obstáculo mais importante. Neste ano, segundo a presidente da Caixa, a instituição analisou limites de crédito e concluiu ser possível emprestar mais de R$ 10 bilhões. "Mas não adianta só a análise da capacidade de pagamento", explicou. "O grande desafio é a estruturação técnica do município para acessar o recurso." Por isso, a Caixa, além de oferecer o dinheiro, fornece assistência às prefeituras para ajudá-las a elaborar projetos. A exigência, como lembrou Maria Fernanda Ramos Coelho, vale para toda transferência voluntária de recursos federais.

No ano passado, o governo federal dispunha de R$ 2,7 bilhões para financiar obras de saneamento, mas até o fim de novembro só havia emprestado 1,2% desse valor - R$ 33,4 bilhões. Na época, o problema foi atribuído ao excesso de normas técnicas e burocráticas. Essas normas seriam exigências da área financeira do governo. Mas essa explicação era inexata. O emaranhado burocrático pode ter alguma importância, mas há dificuldades de outro tipo.

Tradicionalmente, a maior parte dos gastos federais, incluídas as transferências, ocorre no segundo semestre. Essa prática tem sido atribuída, habitualmente, a uma estratégia de controle fiscal das autoridades financeiras. No ano passado, outro aspecto do problema foi evidenciado, quando se discutiu o baixo volume do investimento. Ministérios e prefeituras estavam despreparados para gastar o dinheiro disponível. Não adiantava liberar verbas, se as prefeituras não dispunham de projetos para obras ou para outros tipos de gastos de capital. Mas o próprio governo federal se mostrava incapaz de usar as verbas para ampliar ou apenas cuidar da infra-estrutura.

Houve dificuldade até para a realização do Projeto Piloto de Investimentos (PPI), uma alternativa longamente negociada com o Fundo Monetário Internacional. Durante anos, vários governos, incluído o brasileiro, haviam discutido com os técnicos e a direção do Fundo uma forma de combinar os programas de ajuste com a realização de obras indispensáveis ao crescimento econômico. Resolveu-se, afinal, testar uma solução: seria aberto espaço, nos programas, para a realização de projetos de rápido retorno.

O Brasil seria um dos participantes do teste, mas, na hora de agir, os ministérios foram incapazes de usar o dinheiro reservado. Foi necessário correr, na última hora, e remanejar verbas para evitar o emperramento completo do PPI.

Vem-se discutindo há anos a importância da austeridade no manejo das finanças públicas. A Lei de Responsabilidade Fiscal foi um avanço político inegável. Alguma disciplina foi imposta, principalmente aos governos estaduais e municipais. Mas pouco se tratou, tanto na discussão quanto na prática, da melhora dos padrões gerenciais. Ao contrário: houve até algum retrocesso nos padrões da administração. Tão importante quanto controlar os gastos é saber usar com eficiência o dinheiro disponível. Falta competência para isso.

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