Vale o escrito
Ainda que se mude o relatório da CPI, não há como voltar a fita da memória nacional
DORA KRAMER
Exibem juízo, mais que isso, senso de risco político, os petistas que defendem a aprovação - mediante alguns ajustes negociados com a oposição - do relatório da CPI dos Correios apresentado pelo deputado Osmar Serraglio na quarta-feira.
Reafirmarão o inábil destemor de sempre os que porventura pretenderem virar as conclusões da CPI de cabeça para baixo, apresentando-as à imagem e semelhança das conveniências eleitorais do PT, ao arrepio dos fatos e do entendimento médio de que Serraglio apresentou o relatório possível, em acordo com as investigações, minucioso, denso e, com linguagem por vezes propositadamente ambígua, não deixou nada de fora sem cair na tentação de fazer um panfleto. Mais que satisfatório, pois.
Há quem tenha considerado o documento ameno, um atestado mesmo de absolvição ao presidente da República e um monumento ao português desconhecido com seus "cúspide", "sabença" e "lobrigar" - ponta, sabedoria e perceber, respectivamente.
Mas não há fora das fileiras governistas quem o tenha avaliado como injusto, absurdo, irreal, fruto da imaginação eleitoreira do relator.
Portanto, se insistir em produzir um relatório paralelo para inocentar os seus e negar as evidências, o PT seguramente entrará outra vez em rota de colisão com o bom senso e, mais grave para o partido nessa altura da pré-campanha, com o eleitorado.
Vai criar um barulho daqueles para outra vez chegar ao pior resultado. A oposição pode até não ter votos suficientes dentro da comissão para garantir sozinha a aprovação do relatório. Mas o governo também não tem. Haja vista a aprovação, dez meses atrás, dos nomes do relator e do presidente da CPI que acreditava capazes de manipular a seu favor a CPI (ledíssimo engano), por apenas um voto.
O assunto agora em pauta é muito mais polêmico e posto ao exame da opinião pública à luz em retrospectiva do espetáculo de dados objetivos e manobras subjetivas ocorridos de maio do ano passado para cá.
Por isso mesmo, indica a lógica que, se quiserem impor suas vontades, os governistas mais radicais terão necessariamente de se expor a um desgaste em tudo e por tudo altamente desaconselhável. Inclusive porque vão perder. Em qualquer hipótese, mesmo na mais remota delas, a derrubada do relatório no voto.
Ainda que se altere o texto para consignar que a dinheirama amealhada por Marcos Valério e Delúbio Soares e entregue a parlamentares de partidos aliados não teve o condão de comprar antigos opositores e facilitar a vida de velhos companheiros, mesmo assim valerá para todos os efeitos políticos o relatório escrito e lido pelo deputado Serraglio na quarta-feira. Aquele foi o fato consumado, o mais é esperneio, tentativa de zerar o jogo para confundir e apostar na socialização do prejuízo.
Zen-mutismo
Quando Aldo Rebelo era ministro da Articulação Política freqüentava sua mesa de trabalho no Palácio do Planalto um papel invocando tese apresentada por Mao Tse-Tung (Zedong) em reunião do Partido Comunista Chinês na cidade de Xibaipo, em 1949, sob o título: "Todos os camaradas devem continuar cultivando a modéstia, a prudência, evitando a arrogância e mantendo a luta árdua".
No auge do bombardeio capitaneado por José Dirceu e setores do PT para que deixasse o cargo, Aldo distribuía o papel aos visitantes.
Hoje, na presidência da Câmara, observa o panorama impassível, não obstante crítico. Como convém a um discípulo do "espírito de Xibaipo".
De Césares
O caso dos 400 vestidos de alta-costura que o estilista de Lu Alckmin diz ter dado de presente, ela alega serem 40 já doados a instituição que afirma só ter recebido 10, abre boa oportunidade para o exame do tema dos mimos fora dos padrões aceitáveis ofertados a governantes e familiares.
Embora comum - a mulher do presidente Lula, Marisa Letícia, por exemplo, ganha de cortesia os cortes do cabeleireiro, recebeu jóias exuberantes em uma viagem aos Emirados Árabes Unidos e só doou ao Fome Zero depois de muita pressão -, a prática é moralmente condenável e legalmente condenada pelo Código de Conduta da Alta Administração Pública Federal.
Pode-se alegar que as primeiras-damas estão fora do alcance do código, reservado a funcionários de primeiro e segundo escalões à exceção do presidente. Quanto à mulher de Alckmin, pode-se dizer também que não está, digamos, sob a jurisdição federal da Comissão de Ética da Alta Administração Pública.
Mas não custa, a despeito do aspecto legal, os cônjuges presidenciais, ou mesmo os postulantes à condição, seguirem a norma a título exemplar. E a regra é clara: "É vedada à autoridade pública a aceitação de presentes, salvo de autoridades estrangeiras nos casos protocolares em que houver reciprocidade".
Fora isso, só são permitidas as ofertas de brindes de valor inferior a R$ 100,00. O mais deve ser devolvido e, na impossibilidade, doado.