Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, abril 18, 2006

Tragédia ainda viva

Tragédia ainda viva

editorial
O Estado de S. Paulo
18/4/2006

Nos dez anos que se completaram nesta segunda-feira, dia 17 de abril, da grande tragédia chamada "massacre de Eldorado dos Carajás", que deixou 19 mortos e dezenas de feridos - muitos dos quais ainda hoje sofrem suas fortes seqüelas -, tem inteiro cabimento falar-se em episódio emblemático da grande impunidade reinante neste país. O que não parece justo, no entanto, é confinar-se o desfrute da impunidade, assim como a responsabilidade única pela violência, a apenas um dos lados do conflito: a força policial que reprimiu, a mando do então governador do Pará, Almir Gabriel (PSDB) - e com indiscutível excesso -, o grupo de 1.200 militantes do Movimento dos Sem-Terra (MST) que havia bloqueado, por completo, a Rodovia PA-150, como pressão reivindicatória em favor da desapropriação de áreas, para efeitos de reforma agrária.

É verdade que os dois principais comandantes da trágica operação, que envolveu 155 policiais militares, a saber, o coronel Mario Colares Pantoja (que conduziu 85 PMs de Marabá) e o major José Maria de Oliveira (liderando 68 policiais), foram condenados a grandes penas - o coronel a 228 anos de prisão e o major a 158 anos. Bem é de ver, contudo, que, além de o limite de cumprimento de pena de prisão no Brasil ser de 30 anos - qualquer que seja o tamanho da pena imposta -, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que concedeu habeas-corpus a esses condenados, permanecerão eles em liberdade até que se esgotem todas as possibilidades de recursos em seu favor, como é o caso da tentativa de anulação do processo, requerida pela defesa, em pendência de julgamento.

Apesar do notório excesso repressivo da força policial - a melhor evidência é a própria quantidade de vítimas fatais da tragédia - em episódios de generalizada violência, como esse, é difícil apurar com precisão a atuação específica de cada um dos contendores, de lado a lado. Bem armados estavam os repressores policiais, mas de todo desarmados - inclusive com algumas armas de fogo - não estavam os militantes emessetistas.

É claro que as partes se acusam, mutuamente, pelo início do conflito. Mas seria mais fácil atribuir-se tudo ao despreparo da força policial, se já não houvesse um substancioso histórico de violência do Movimento dos Sem-Terra - e assemelhados - em suas invasões, depredações e vandalismos praticados em sedes de fazendas, matança de animais, manutenção de empregados rurais em cárcere privado, roubo de cargas, saques a mercados, ocupação, roubo e destruição de cabines de pedágio, afora as usuais interdições de rodovias - como a feita há dez anos no bloqueio da curva "S" da PA-150, que gerou aquela tragédia -, desrespeitando o elementar direito de ir-e-vir das pessoas.

Por tudo isso é que, ao falar-se na "impunidade" emblemática que sugere o "massacre de Carajás", desequilibrado ficará o argumento se não se levar em conta, também, toda a complacência - política, governamental, judicial, "social" - em relação à contínua violência e desrespeito à lei, praticados pelo MST e movimentos assemelhados, começando por suas maiores lideranças, como a de João Pedro Stédile - cidadão cuja impunidade é a melhor prova de que sabia do que estava falando quando, a propósito da tragédia, afirmou que "no Brasil apenas os pobres, pretos e sem-terra vão para a cadeia".

Segundo dados divulgados pela Comissão Pastoral da Terra, da Igreja Católica, de 1985 a 2004, 93% dos crimes no campo não são julgados. Não se pode deixar de aí incluir os crimes perpetrados pelos que esbulham as propriedades e praticam toda a sorte de delitos aqui já mencionados, nem os cometidos pelos que se dispõem a defender suas próprias terras e nem mesmo os resultantes de eventuais excessos repressivos das forças policiais, chamadas para dar respaldo a decisões judiciais de reintegração de posse.

Mais certo, então, será refletir-se sobre os obstáculos que persistem a impedir que, no meio rural, a lei e a Justiça sejam respeitadas - para que esse tipo de leniência não continue atraindo cada vez mais delinqüentes para o campo.

 

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