VEJA
A Daspu é a marca de pessoas que
não escondem nem sua condição nem
o melhor nome da atividade que abraçaram
A mais simpática grife surgida nos últimos tempos no Brasil é a Daspu. Para quem andou muito distraído nestes últimos meses, em hibernação como os ursos, ou em viagem a outros planetas, em companhia do astronauta brasileiro, a Daspu é uma linha de roupas criada por uma ONG do Rio de Janeiro dedicada à promoção das prostitutas, a Davida. A grife é um caso exemplar do que um nome é capaz. "Daspu" é um achado. Não apenas porque faz um contraponto à Daslu, loja chique de São Paulo, mas também porque anuncia, na última sílaba, toda a carga imensa de uma das palavras mais sonoras, vigorosas, ultrajantes, estigmatizantes, malditas e belas (sim, belas) da língua, palavra que não vai se escrever aqui por inteiro mas que todos sabem qual é, e que, apesar de sua rica corte de sinônimos – 127 ao todo, no dicionário Houaiss, de "alcouceira" a "zorra" –, reina com autoridade única para expressar o que expressa.
A Daspu realizou na segunda-feira um desfile de suas criações em São Paulo. "De suas criações" é modo de dizer. A grife, por enquanto, só fabrica camisetas. Algumas delas eram exibidas pelas modelos, mas no resto elas vestiam disparatadas peças de brechó, chapéus, botas, tudo muito colorido, muito p... – no bom, no ótimo sentido da palavra. "Desfile" também é modo de dizer. O que fizeram as dez modelos – três vindas do Rio, militantes da ONG Davida, as outras recrutadas ali pelas redondezas – foi ensaiar algumas evoluções na Rua Augusta, no trecho onde se concentram as boates e os hotéis de curta permanência. As moças, pelo que se intui das fotos publicadas no dia seguinte pelos jornais, estavam exuberantes (o que já era de esperar) e felizes (o que não seria necessariamente de esperar). Em vez de "desfile" e de exibição de "suas criações", o que a Daspu estava fazendo mesmo era mostrar sua cara à cidade, como já fez no Rio. Ou, talvez mais propriamente, estivesse jogando sua petulante altivez na cara da cidade.
Uma das "daspusetes" que vieram do Rio era Valquíria, a Val, de 22 anos, que dobra a profissão de prostituta com a de faxineira. Ela contou à coluna de Mônica Bergamo, na Folha de S.Paulo, que ganha 50 reais por programa e 40 reais por faxina. A faxina "demora mais e cansa mais". Val é um exemplar da categoria que a senadora Heloísa Helena chama de "exploradas filhas da classe trabalhadora". Mas, na filosofia que inspira a Daspu, tal classificação seria repudiada. Não a comiseração, mas o orgulho de ser prostituta e a busca da dignidade possível para a profissão – esta a bandeira que rege a ONG Davida. "Sonho com a p... inteira, grandiosa e fundamental", escreveu Gabriela Silva Leite, a Gabi, fundadora e líder da Davida, no último número do Beijo da Rua, o jornal da associação. O título do artigo de Gabriela é "Caminho aberto para a p... cidadã", com a particularidade de que ali não existe isso de "p" e três pontinhos – a palavra aparece na sua crua e eloqüente inteireza.
Gabriela, paulistana radicada no Rio, generosa, inteligente e articulada, foi prostituta até 1992. Desde sempre teve a intenção de criar uma associação que reunisse e defendesse a categoria. Em 1992, fundou a Davida, com um grupo de companheiras e o apoio de amigos homens. A idéia de criar uma grife que pudesse representar uma fonte de recursos para a associação já lhe ocupava a mente havia algum tempo quando, numa conversa com o designer Sylvio de Oliveira, em julho do ano passado, este teve o estalo: Daspu! O nome imaginado pelo amigo e colaborador era o impulso que faltava para fazer deslanchar o projeto. A Daslu reagiu contra a concorrente nanica com uma ameaça de processo. Menos deselegante teria sido convidar a Daspu a expor em suas dependências. Para a grife das prostitutas, o fato rendeu imediata notoriedade.
A Davida, em articulação com outras associações de prostitutas de várias partes do Brasil, promove campanhas como a de prevenção da aids. Gabriela, que aos 55 anos é mãe de dois filhos e avó de uma neta, além de mãe substituta do filho de seu companheiro, contabiliza como vitória da classe o fato de, desde 2005, o Ministério do Trabalho ter incluído a prostituição entre as ocupações reconhecidas oficialmente no país. Com isso, entre outras vantagens, criou-se a condição para que nos próximos censos o IBGE possa apurar algo que hoje é uma incógnita – quantas são as prostitutas no Brasil. Uma causa em que a Davida vem trabalhando é o apoio ao projeto do deputado Fernando Gabeira que regulamenta a profissão de prostituta.
O nome Davida remete a "mulher da vida", uma estranha maneira de dizer. Por que "da vida"? A intenção de quem, em tempos imemoriais, cunhou a expressão certamente não foi boa, mas, considerando-se que a alternativa é "da morte", resulta que é melhor, muito melhor, ser "da vida". Já Daspu é um nome que tem a marca do atrevimento. É a grife de pessoas que não têm vergonha de esconder nem sua condição nem, no abusado "pu" final, a mais precisa e cortante denominação da atividade que abraçaram.
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
Arquivo do blog
-
▼
2006
(6085)
-
▼
abril
(579)
- Vem aí mais imposto ou menos investimento Maílson ...
- Voto nulo, voto branco, reeleição e políticos hone...
- AUGUSTO NUNES SETE DIAS 30 DE ABRIL JB
- CLÓVIS ROSSI Cadê os empregos?
- ELIANE CANTANHÊDE "Igual a mim"
- JANIO DE FREITAS Nos aposentos do príncipe
- LUÍS NASSIF Adolf Berle Jr. e a diplomacia do dólar
- A invasão dos bárbaros RUBENS RICUPERO
- FERREIRA GULLAR O feitiço do Bruxo
- Portas abertas aos ‘companheiros’ no governo
- Culturobrás DANIELPIZA
- Petróleo - a história roubada
- O trabalho na China CELSO MING
- FH coordenará idéias de Alckmin DORA KRAMER
- A esquerda no poder Ives Gandra da Silva Martins
- O avanço do retrocesso Gaudêncio Torquato
- Temos um modelo CRISTOVAM BUARQUE
- Miriam Leitão Sem cerimônia
- Vamos colaborar JOÃO UBALDO RIBEIRO
- Merval Pereira O moralismo de Baudrillard
- Em breve, toda a turma reunida novamente
- The Crony Fairy By Paul Krugman
- Merval Pereira As doenças de Baudrillard
- Miriam Leitão Maioria mexicana
- Zuenir Ventura E se tudo for verdade?
- CLÓVIS ROSSI O difícil e o impossível
- FERNANDO RODRIGUES O valor da transparência
- Novos conflitos DENIS LERRER ROSENFIELD
- Copa da Educação GESNER OLIVEIRA
- Melhor adiar a reforma
- Epitáfio para um partido
- Celso Ming - O bolo e suas fatias
- Ao lado do ‘companheiro Dirceu’, Lula avisa: ‘Não ...
- Lula elege Casas Bahia como modelo de desenvolvime...
- DORA KRAMER Camisa de força
- Lucia Hippolito na CBN:Na mão do PMDB
- As práticas mais que condenáveis de Garotinho
- José Mentor se enrola em mais uma acusação
- Xerox é a solução para o caso dos quarenta
- Os problemas da campanha de Alckmin
- Chernobyl Vinte anos depois do desastre
- Criminalidade explode no governo Chávez
- Os países que buscam trabalhadores estrangeiros
- A disparada dos gastos oficiais
- Bolsa Família O que é o programa assistencial de Lula
- VEJA Entrevista: Renato Mezan
- MILLÔR
- Lya Luft Quebrar o silêncio
- André Petry No reino da bandalha
- Roberto Pompeu de Toledo Os brasileiros – uma nova...
- Diogo Mainardi Pedi o impeachment de Lula
- O epílogo da crise Ricardo Noblat
- clipping 28 de abril
- Dora Kramer - Desfaçatez como nunca se fez
- Impostura Demétrio Magnoli
- Presidente da OAB constrange Lula no STF
- Guilherme Fiuza Petrobras, a mentira
- Herança premiada
- Clóvis Rossi - O Brasil cabe na sua dívida?
- Eliane Cantanhede - O troco
- Jânio de Freitas - A seleção
- Merval Pereira - Política e religião
- Sinal de alerta nas contas
- O passado que reaparece
- Não são desnutridas
- Lula, seu galinheiro e o milharal
- Lesa-pátria
- Fugindo à razão
- A diplomacia do fracasso
- A deterioração das contas públicas
- Alberto Tamer - Petróleo não derruba economia
- Dora Kramer - O rato que ruge
- Luís Nassif - O desafio do gasoduto
- Míriam Leitão - Tá na cara
- Lucia Hippolito na CBN:Um estranho no ninho
- Neopeleguismo
- OAB reafirma: decisão sobre impechment sai em maio
- Casa da mãe Joana
- Fingindo-se de cego
- e assim é nossa politica.....
- Acalmar pelo terror?
- OPORTUNIDADE FISCAL
- MÉRITO EM XEQUE
- Crime sindical
- América do Sul desafia o Brasil::
- Acalmar pelo terror?
- A verdade da fome
- A OAB e o impeachment
- A crise é institucional
- A ameaça boliviana
- 'Drive-thru' do tráfico
- Clóvis Rossi - O silêncio e as cores do mundo
- Celso Ming - Evo ataca, Lula se omite
- Dora Kramer - À espera de um milagre
- Élio Gaspari - FFHH e Lula melhoraram o Brasil
- Fernando Rodrigues - A utilidade do vice
- Luís Nassif - O SUS e o elogio fatal
- Merval Pereira - As dores do parto
- Míriam Leitão - Erro estratégico
- Lucia Hippolito na CBN:Lerdeza e esperteza
-
▼
abril
(579)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA