Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, abril 12, 2006

Míriam Leitão - Enigma peruano

Míriam Leitão - Enigma peruano

Panorama Econômico
O Globo
12/4/2006

Ollanta Humala é um enigma. Viveu na direita e se apresenta como de esquerda. Sua família tem idéias estapafúrdias, mas ele nega que ela faça parte do seu "projeto". Tem propostas de nacionalização tão ambíguas quanto as de Evo Morales, mas seu companheiro de chapa é um ex-diretor do Banco Central e seu programa econômico é ortodoxo. Na classe A tem 1% dos votos, mas sua vitória parcial foi bem recebida no mercado: no dia seguinte à eleição, a Bolsa subiu, o dólar caiu e o risco-Peru, bem menor que o risco-Brasil, caiu mais um pouco.

Alejandro Toledo, o presidente que termina seu mandato, também é um enigma. Conquistou o sonho de muitos estadistas: no seu mandato, o país cresceu com baixa inflação e dólar estável. Em 2005, cresceu 6,6%, com inflação de 1,5%. O risco-Peru está abaixo de 200 pontos há tempos, nível que o Brasil nunca conseguiu atingir.

Crescimento com inflação baixa normalmente eleva a renda do trabalhador e a sensação de conforto econômico. Mas a popularidade de Toledo sempre foi baixíssima. Lá não há reeleição, mas, se houvesse, ele não teria a menor chance.

Humala mostrou um pouco do seu estilo na entrevista dada a um grupo de jornalistas, entre eles, Janaína Figueiredo, do GLOBO. Perguntado sobre o fato de sua mãe defender o fuzilamento de homossexuais e o irmão o fuzilamento de Toledo, Humala respondeu: "Eu não sei o que diria sua vovozinha se eu perguntasse até quando você usou fraldas." Fino, o rapaz.

O próximo mês vai esquentar ainda mais o temperamento do candidato favorito no Peru. Ele terá que enfrentar a rejeição completa dos mais ricos e um oponente para lá de controverso. Alan García, que estava na frente da direitista Lourdes Flores ontem à tarde com quase 90% das urnas apuradas, tem usado como estratégia a confissão de arrependimento em relação a seu passado. García governou o Peru de 1985 a 1990. Entregou um país quebrado, em colapso, e saiu sob acusação de corrupção. Explica seu péssimo desempenho como conseqüência de ter chegado jovem demais à Presidência e ter enfrentado um cenário externo desfavorável. Lembra que outros governantes da época deixaram seus países com enorme inflação. Seu contemporâneo no Brasil foi o presidente José Sarney. Sua vantagem é que tem quadros para governar o Peru. O Apra, partido de Alan García, é o mais bem estruturado, está espalhado por todo o país. Tem votos em todas as regiões, em todas as classes, mas muita rejeição pelo seu passado. Humala tem votação concentrada entre os pobres e nos grotões, e altíssima rejeição entre a classe média e os ricos.

No seu programa de governo, Humala usa a mesma linguagem gelatinosa de Evo Morales. Diz que os setores estratégicos da economia peruana serão postos a serviço da população peruana. Ninguém sabe o que isso significa. A embaixada do Brasil lá levou os principais empresários brasileiros que operam no Peru para conversas com todos os candidatos. Humala os tratou muito bem, da mesma forma que Morales fez com a Petrobras na campanha e nos primeiros momentos do governo.

Há várias empresas brasileiras no Peru, principalmente a Petrobras, que produz petróleo e gás lá. A estatal brasileira está em cinco postos de gás. O gás, aliás, é a grande esperança do povo peruano. O pessoal de Humala não ameaça com expropriação, mas diz que quer que a Petroperu, que havia vendido todas as suas concessões, volte a explorar gás e petróleo com sócios. A mesmíssima conversa de Evo Morales, que dizia querer apenas que a YPFB fosse sócia da Petrobras, até baixar um decreto que assume a propriedade das multinacionais, inclusive da Petrobras. Quatro grandes empreiteiras brasileiras estão no Peru: Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão. O BNDES tem US$ 400 milhões para financiar as operações brasileiras lá, mas, até agora, o dinheiro não saiu da Avenida Chile; felizmente. É que o governo de Alejandro Toledo não quer saber de dar garantias do Tesouro peruano às operações privadas. Toledo sabe o que faz. Aqui, o governo Fernando Henrique negava esse tipo de aval, porém, no governo Lula, a garantia passou a ser concedida. Estão no Peru também AmBev, Natura, Votorantim, Vale e outras grandes empresas brasileiras.

No programa macroeconômico, o candidato Ollanta Humala deixou de lado toda a retórica radical para defender o seguinte: austeridade nos gastos públicos, metas de inflação e câmbio flutuante. Isso soa familiar? O fiador desse programa é um ex-diretor do Banco Central.

Toledo assumiu como um presidente "cholo". Foi comemorado como um fenômeno igual ao de Evo Morales. Mas acabou decepcionando. Um estudo do Banco Mundial mostra que, nos anos Toledo, o país cresceu, mas as pessoas não melhoraram de vida. O crescimento se concentrou em setores que empregam pouco, como a mineração; ou empregam mal, como a agricultura.

O Peru é um enigma. Ollanta Humala é imprevisível. Ele tem linguagem ambígua, como Morales, mas, ao contrário do líder boliviano, não saiu do movimento social, e, sim, das Forças Armadas. Tem um programa econômico conservador como Lula. Não tem quadros para governar, igual a Morales. Racha o país como Hugo Chávez. Tudo é incerto, mas, nestes estranhos tempos de hoje, o mercado acha que o risco-Peru está diminuindo.

A COMEMORAÇÃO foi um pouco cedo. Publiquei aqui que a Câmara Americana de Comércio entendeu que o senador americano Charles Grassley iria propor o fim da sobretaxa ao álcool. Ele informa de lá, pela embaixada americana, que não está pensando nisso. Era mesmo esmola demais!

 

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