O GLOBO
Na agricultura, o bem está concentrado e o mal está disseminado pelo país. É assim que o economista José Roberto Mendonça de Barros define a conjuntura agropecuária, que hoje vive uma crise. Como no resto da economia, há setores dentro e fora dessa crise. O problema é que começou em Brasília a colheita de subsídios: todos querem receber sua parte dos cofres públicos e estão esperançosos com o novo ministro.
Alguns produtos vão bem, muito bem. Outros enfrentam crises diversas, que vão de problemas cambiais a pragas e doenças. Estão bem, na avaliação do economista José Roberto Mendonça de Barros, cana-de-açúcar, laranja, café, eucalipto. Vão mal os grãos, em geral; as carnes, em particular. O pior caso é o da carne de frango, setor no qual o Brasil chegou a ter 40% do mercado mundial. A arte do governo será separar o joio do trigo e oferecer ajuda a quem realmente teve problemas que vão além do que pode ser coberto por um seguro privado. Uma fonte do governo me disse esta semana que o pacote pode ficar em R$ 1,5 bilhão, mas a bancada ruralista está pressionando para ter muito mais que isso. Como sempre.
Os que vão mal estão afetados por dois tipos de problemas. Um é causado por fatalidades climáticas ou pragas que ocorrem em qualquer país e que sempre justificam ajuda governamental. O Brasil enfrentou períodos de secas e enchentes. A soja tem o problema extra da ferrugem asiática, que elevou muito os custos do produtor. Só com as três aplicações necessárias de remédio contra ferrugem, o produtor está com um gasto extra de US$ 1,5 por saca. O aumento do custo é realmente alto.
O câmbio é outro fator de perda de rentabilidade e, se o governo considerar que isso é um sinistro que merece compensação, estaremos numa situação curiosa: o governo estaria cobrindo danos provocados por ele mesmo e por sua política monetária. Se o câmbio é flutuante, quando a moeda se valoriza, não pode ser considerado um motivo para "compensação" governamental.
Os produtores dizem que compraram insumos, máquinas, fertilizantes, defensivos mais caros pela dolarização de muitos preços do setor e, agora, quando vão vender a produção, o dólar está baixo e a rentabilidade caiu muito. De novo, é difícil fazer uma generalização e misturar prejuízos causados por desastres naturais com perda de rentabilidade devido à conjuntura cambial. Se pagar aos agricultores, o governo estará admitindo que está fazendo uma política lesiva aos exportadores e sustentando um preço artificial da moeda. O dilema será enfrentado nestes primeiros dias da nova chefia no Ministério da Fazenda, o órgão que sempre evita gastos. Entre a bancada ruralista e o Ministério da Agricultura, o custo caiu, mas a proposta do órgão setorial tem um custo quatro vezes maior do que a área econômica acha razoável.
No relato do economista, estão em boa situação os produtores de cana-de-açúcar:
— Se produzirem álcool, os preços e a demanda nacional e mundial estão em alta; se for açúcar, também têm uma situação favorável: o Brasil é o maior produtor mundial, tem a maior produtividade, a demanda cresce e o preço está alto.
Laranja também está em boa situação, com os preços em alta no mercado internacional:
— Os produtores americanos foram para o sul da Flórida para fugir das geadas e encontraram os furacões, e agora há ameaça de seca. Resultado: a produção caiu e o preço está em alta. O café também vai bem porque está passando por um renascimento. Antes, era uma bebida de velho; hoje voltou a ser moda tomar café e este fenômeno tem nome: Starbucks. As lojas de café estão florescendo no mundo inteiro, gente disposta a pagar US$ 5 por uma xícara. O Japão está importando 8 milhões de sacas. O Brasil está se especializando em café de mais qualidade. Este ano a oferta está menor que a demanda e, no ano que vem, os preços vão subir ainda mais porque é ano de safra curta.
Eucalipto é outro que está com um aumento forte da procura. O produto brasileiro, como se sabe, tem desenvolvimento rápido e só ele pode atender à demanda crescente.
— O problema é que tudo que está bem está concentrado na região central do Brasil. Cana no norte do Paraná, sul de Minas, Mato Grosso do Sul e é mais forte em São Paulo. Café é em Minas, no Espírito Santo e um pouco na Bahia. Eucalipto é sul da Bahia e Espírito Santo. Laranja é São Paulo — comenta José Roberto.
As lavouras de grãos que estão com problemas têm plantações mais espalhadas pelo Brasil. Estão com baixos preços quase todos os grãos: soja, milho, trigo e arroz, por exemplo. A demanda por milho caiu porque caiu o abate de frango.
O algodão também tem problemas e as carnes estão com vários tipos de dificuldade. O frango enfrenta o rigor de uma abrupta queda de demanda e está realmente em crise.
— Frango enfrentou um tirambaço que veio de fora. O setor estava preparado para um aumento de 10% na demanda e ela caiu 20%. O custo está em R$ 1,25 e o produto é vendido por R$ 0,85. Isso pega de frente os milhares de granjeiros.
Recentemente o presidente da Comissão Agrícola do Parlamento Europeu, Joseph Daul, disse que a produtividade brasileira na área agrícola é tão alta que virou um problema geopolítico. Se é assim, o setor não pode estar quebrado como se diz por aqui. O que o Brasil tem, sim, é um alto custo logístico.
— O câmbio a R$ 3 mascarava o problema do buraco da estrada. Agora, o custo Brasil pesa no bolso do produtor.
Se quiser realmente ajudar a agricultura, o governo precisa investir, e criar condições para o setor privado investir, na melhoria da logística brasileira. O resto é paliativo.