O GLOBO
É possível gerir um Estado como se fosse uma empresa privada, onde a burocracia, a ineficiência e a falta de controle das finanças públicas fossem substituídos por objetivos como a busca de resultado, a gestão eficiente e o controle rigoroso das despesas? Num momento em que o aumento dos gastos públicos está em discussão, e os programas sociais assistencialistas ganham cada vez mais espaço no Orçamento da União, os candidatos a presidente da República vão receber um estudo sobre o que está acontecendo na Austrália e na Nova Zelândia, que estão revolucionando a gestão pública.
Para conhecer a fundo as mudanças promovidas nesses países, o presidente da Bolsa de Valores de São Paulo, Raymundo Magliano Filho, levou um grupo formado por representantes da Bovespa, da FGV-SP e da Fiesp a visitar recentemente a Oceania. Yoshiaki Nakano, da Escola de Economia da FGV; Walter Sobol, da FGV Consult; e André Rebelo, da Fiesp, fizeram parte do grupo.
Magliano está convencido de que uma verdadeira revolução política está em curso do outro lado do mundo: Austrália e Nova Zelândia estariam na fronteira de um novo modelo de Estado, focado na eficiência administrativa e gerencial. Graças à combinação desse “choque de gestão” com o corte dos gastos públicos, esses países estão crescendo bem mais que o Brasil — e de maneira sustentável.
A Nova Zelândia reduziu os gastos públicos de 53,4% do PIB em 1990 para 34% em 2004. No mesmo período, a taxa básica de juros caiu de 8,5% ao ano para 3,5% ao ano. Em 2004, o PIB da Nova Zelândia cresceu 4,8%. Com o superávit crescente e os juros em queda, a relação dívida/PIB da Nova Zelândia caiu de 60% para 28%.
As reformas na Nova Zelândia foram iniciadas pelo Partido Trabalhista, de esquerda, intensificadas pelo Partido Nacional (conservador) e mantidas pelo Partido Trabalhista, novamente no poder. Foi este, aliás, que estabeleceu o sistema de administração por resultados, no qual os administradores públicos passaram a se comprometer com determinadas metas, e a definir os recursos necessários para atingi-las.
A primeira fase consistiu na abertura da economia e na privatização das estatais. Na segunda fase, já no governo do Partido Nacional, foi conduzida a reforma do Estado, com a redução da máquina estatal. A redução dos gastos públicos foi acompanhada, nos dois países, por aperfeiçoamentos nos mecanismos de controle e de prestação de contas do setor público à sociedade. Na Nova Zelândia, a Audit New Zealand é a instituição que tem a função de fiscalizar e promover a eficiência dos órgãos estatais do país. Na Austrália, o Australian Audit Office é quem cuida de garantir a eficiência do setor público.
Na Nova Zelândia existe o cargo de auditor-geral. Sua função é auditar os resultados alcançados pelas diversas entidades públicas e compará-los com os compromissos assumidos no início do ano. Além da verificação formal da contabilidade, existe também uma avaliação de performance, uma vez que cada entidade do governo tem que apresentar no início do ano um “contrato de gestão” com as metas para o exercício. Essas metas definem os recursos necessários que estarão disponíveis no orçamento.
Cada entidade tem de apresentar balanços que seguem os mesmos padrões contábeis do setor privado, o que aumenta a transparência e facilita o entendimento de suas atividades pelos cidadãos. O auditor-geral da Nova Zelândia não tem função punitiva. Sua única atribuição é reportar os resultados de sua análise ao Parlamento e ao público.
Para promover essa mudança, o grupo de estudos da Bolsa de Valores de São Paulo sugere algumas medidas, que precisariam ser submetidas a um debate nacional:
— Criação de metas e cobrança por resultados: o Estado deve planejar objetivos, com a definição de metas e a cobrança por resultados. Os governantes seriam cobrados a dar explicações pelas metas não atingidas;
— Maior responsabilidade dos burocratas: deve haver uma separação entre o político (por exemplo, o ministro de Estado) e o executivo (o secretário-geral, o executivo do Ministério). Dessa forma, poderia se estabelecer uma relação contratual, por prazo e/ou metas, entre os ministros e seus executivos. Implantação de sistemas de medição de resultados, com incentivos para os executivos cumprirem as metas. Divisão dos ministérios e órgãos públicos por unidades de negócio com objetivos comuns.
— Sistema integrado de informações gerenciais: implantação de relatórios gerenciais e de sistemas contábil e de gestão financeira. Introdução de balanços nos mesmos moldes da iniciativa privada (com ativo, passivo, demonstração de resultado, receitas e despesas etc). Dessa forma, o Estado poderia acompanhar a fundo o desempenho de todas as suas unidades, descobrindo quais são lucrativas, quais precisam ser reformadas, quais podem ser privatizadas. Já a iniciativa privada e os cidadãos teriam como avaliar o desempenho de cada unidade do Estado.
— Utilização da tecnologia da informação (governo eletrônico): a informática, a automação e a internet permitem a criação de sistemas para aumentar a eficiência da administração pública. Vários serviços on-line, como os leilões pela internet, as bolsas eletrônicas de compras, representam redução de custos e a introdução de novas empresas (como micros e pequenas companhias) na lista de fornecedores do governo.
Não é uma proposta facilmente digerível, e certamente tem pontos polêmicos, como o fim da estabilidade dos funcionários públicos. Também uma visão puramente “de resultados” não atende às carências sociais de imensa parte da população. Parece uma utopia politicamente inviável, mas talvez alguns pontos possam ser aproveitados, especialmente os controles da gestão.