Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, abril 18, 2006

Jânio de Freitas - Lula e o presidente




Folha de S. Paulo
18/4/2006

O presidente da República está confirmando que o governo Lula usou o chamado "valerioduto" para obter, em sua primeira fase, as numerosas aprovações que desejou do Congresso. No mesmo embalo de insensatez ou de miopia política, o presidente está criando para o governo Lula, sob a aparência de uma solução de autoridade, um grande risco para sua própria existência futura.
Nos dois primeiros anos do mandato, o governo Lula aprovou na Câmara tudo o que quis, e sempre obteve do relutante Senado a confirmação das aprovações. Hoje se sabe que aquele foi o período coberto pelas sucessivas safras de dinheiro distribuídas a deputados (a perdida CPI do Mensalão enfurnou a prova de 19 ondas sucessivas de pagamentos, o que dá confirmação inquestionável à existência do mensalão, além dos recheios aos tantos caixas dois).
Já em sua denúncia inicial, Roberto Jefferson atribuiu as dificuldades de aprovação que o governo começava a ter, naquele primeiro semestre de 2005, ao atraso inexplicado dos cifrões estimulantes de votos.
O escândalo do mensalão começou há 11 meses. O governo Lula, já com problemas parlamentares, não conseguiu mais nada da Câmara e do Senado, a não ser a aprovação das medidas provisórias que ao Congresso não convinha rejeitar.
Há semanas, o discurso cotidiano de Lula repisa acusações ao Congresso por "não aprovar matérias de interesse do país nem o Orçamento para 2006".
A cada dia mais agressiva e mais eleitoreira, a pretensa cobrança de Lula conduz assim a esta questão singela: o que mudou, entre o governo Lula e o Congresso, para que, há coisa de ano e meio, as propostas governamentais, aprovadas sem dificuldade em 2003 e 2004, desde então fiquem engasgadas no descaso parlamentar?
A partir da descoberta dos processos usados naqueles anos, a inversão de lá para cá, explicitada na questão que o presidente da República suscita, implica a acusação direta ao governo Lula por suborno e corrupção parlamentar.
No caso extremo do Orçamento não votado, Lula aceitou a sugestão de se impor ao Congresso -o que é também um desafio- e liberar para o governo R$ 26 bilhões por meio de medidas provisórias. Mas, além de imposição e desafio, essas MPs bilionárias podem revelar-se uma temeridade desastrosa.
Medidas provisórias só confirmam sua validade com aprovação pelo Congresso. E se o Congresso não aprovar as MPs bilionárias? A Presidência e o governo terão feito gastos ilegais (inclusive, pode-se prever, para viagens eleitorescas de Lula), com a possibilidade de conseqüências extremas para os governantes e para o próprio presidente autorizador dos gastos. Não é preciso lembrar que tipo de conseqüência.
Pelo visto, o presidente da República está fazendo oposição a Lula. Se não for isso, é vice-versa.

 
 

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