Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, abril 19, 2006

Diretrizes perigosas



editorial
O Estado de S. Paulo
19/4/2006

O que o anteprojeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2007 tem de inovador é também o que ele tem de mais preocupante. Em relação à LDO para 2006, retira o limite para os gastos públicos em porcentagem do PIB e cria uma regra de eficácia duvidosa para reduzir as despesas; retira o limite para a carga tributária, o que torna mais fácil, politicamente, o aumento dos impostos; e dá ao governo a prerrogativa de executar o Orçamento mesmo sem aprovação do Congresso.

Se estiver, realmente, preocupado com sua imagem e interessado em preservar uma de suas principais funções, o Congresso precisa rejeitar pelo menos um dispositivo do projeto. Trata-se do Artigo 77, assim redigido: "Se o projeto de lei orçamentária não for sancionado pelo presidente da República até 31 de dezembro de 2006, a programação nele constante poderá ser executada até o montante das respectivas dotações." Ou seja, a execução do Orçamento prescindiria da aprovação do Congresso, passando a ser automática.

O objetivo dessa proposta, dizem os ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Planejamento, Paulo Bernardo, é evitar a repetição do que ocorreu com o projeto do Orçamento para 2006, que só foi finalmente votado após as 23 horas de ontem. (Devem ter se inspirado no famigerado "decurso de prazo" do regime militar, que considerava aprovado qualquer projeto que não fosse votado até determinada data.) O atraso na votação serviu de pretexto para o governo editar medidas provisórias liberando recursos destinados a despesas consideradas urgentes. Ao editá-las, o governo Lula já tinha dado mostras de que, em matéria orçamentária, está disposto a agir sem ouvir previamente o Congresso. Com o projeto da LDO de 2007 quer fazer isso de maneira explícita - espezinhando a Constituição. É o que nos espera se Lula for reeleito.

Na prática, esse artigo dispensa a manifestação do Congresso sobre o Orçamento. Em caso de disputa com a oposição que ameace a aprovação do projeto orçamentário, bastará ao governo - o próximo - obstruir a votação e executar o que está na sua proposta original. Isso retira do Congresso o seu principal papel, que é o de discutir e votar o Orçamento.

É ardilosa a argumentação do governo para retirar do texto da LDO para 2007 os limites para as despesas correntes do governo e para a carga tributária federal. De acordo com o ministro Paulo Bernardo, o limite para despesas correntes foi ampliado por decisão do Congresso e, por isso, não foi eficaz. Pela nova regra, os gastos correntes, que devem representar 17,71% do PIB em 2006, deverão cair para 17,61% em 2007 e mais 0,1 ponto porcentual até 2009, quando ficarão em 17,41%. Se a regra estabelecida no ano passado não funcionou, não há motivos para se crer que a nova será respeitada caso o governo não demonstre, de maneira clara, que está disposto não a preservar, mas a aprofundar o ajuste fiscal. Mas o ministro da Fazenda vem dizendo desde sua posse que não há necessidade de aprofundar a política fiscal. O que está sendo feito, diz ele, é suficiente.

A realidade é muito diferente. Como bem demonstrou o estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o aumento dos gastos públicos nos últimos meses está corroendo rapidamente o superávit primário. Em julho, o resultado acumulado em 12 meses era de 5,20% do PIB; 7 meses depois, o acumulado de 12 meses tinha diminuído para 4,38%. E os gastos que mais crescem não são aqueles sobre os quais o governo não tem controle, como pessoal e previdência, mas os que podem ser controlados, que compõem a rubrica "Outras despesas de custeio e capital", ou OCC, como dizem os especialistas. Nos primeiros sete meses de 2005, as OCC cresceram 0,3% ao mês; nos sete meses seguintes, 1,2% ao mês. Daqui para a frente, o aumento do salário mínimo e dos benefícios previdenciários para quem ganha acima do salário mínimo resultarão em crescimento mais rápido das despesas obrigatórias.

Se isso não é um sinal claro de deterioração da política fiscal, o que será? Mas, para o governo, nada disso preocupa. A meta de superávit primário foi fixada pelo projeto da LDO em 4,25% do PIB para o período 2007-2009. E o governo afirma que isso será suficiente para reduzir em quase 5% do PIB a dívida pública no período. Acredite quem quiser. O que o governo está demonstrando para quem tem olhos para ver é o que vamos ter se Lula for reeleito.

 

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