Episódio da camisa pirata diz algo sobre a improvisação no projeto eleitoral do PSDB
A compra de uma camisa "pirata", falsificação de grife, no interior de Pernambuco, parece um episódio menor. Não serve para formar juízo a respeito do candidato do PSDB à Presidência da República, Geraldo Alckmin, mas é um sinal revelador da presença de amadorismo e improvisação na campanha.
A justificativa de Alckmin, de que pagou R$ 20 por um produto falso porque "na correria" da campanha não se deu conta das implicações do gesto, é ainda mais eloqüente. O ideal é que o candidato tenha malícia e expediente para ficar atento a todos os detalhes; se não tiver , é fundamental que disponha de assessoria preparada para lidar com essas situações.
Outras bem mais complicadas surgirão ao longo do caminho. E se o candidato à Presidência da República é deixado à própria sorte num mafuá de sacoleiros - aos quais se poderia dar o nome de microempresários não fora a sonegação fiscal parceira de seus negócios - não é absurdo pensar na hipótese de acontecimentos mais elaborados vierem a ser tratados com descuido semelhante.
"Na correria" para derrotar o presidente Luiz Inácio da Silva, o tucanato pode, por exemplo, deixar de montar uma equipe de campanha competente, um sistema de transportes eficiente, um esquema de financiamento transparente o bastante para ser subtraído na autoridade moral necessária a quem pretende enfrentar a batalha sucessória combatendo no terreno da ética e da eficácia.
O episódio da camisa não é, na essência, diferente do caso do DVD pirata do filme Os Dois Filhos de Francisco a que Lula assistiu no avião presidencial. Ali faltou assessoria e, nela, o sentido da vigilância permanente aos rituais do poder, à observância do manual da legalidade e dos significados dos gestos de uma figura pública, por pequenos e corriqueiros que sejam.
Soou especialmente imprópria a compra de Alckmin porque foi ele quem tomou a iniciativa de pontuar o "profissionalismo" necessário ao jogo da sucessão.
Profissionalismo este que não tem sido exatamente a marca dos movimentos do PSDB na largada da corrida presidencial.
Começou com o processo tumultuado e absolutamente desorganizado da escolha do candidato, onde o partido acabou na contingência de trocar um nome (José Serra) que valia 40% das preferências eleitorais por outro dono da metade do patrimônio.
Havia o problema de São Paulo a resolver, muito bem. Então que o partido pusesse em prática desde sempre o plano de deslocar o prefeito José Serra para a disputa do governo do Estado e preparasse o lançamento de Alckmin para a Presidência com o planejamento adequado. Deu-se o oposto, produzindo-se uma derrota e a escolha - se é que se pode chamar assim - com jeito de solução "menos pior", não de opção pelo melhor.
Depois disso, o candidato já foi pego desprevenido em denúncias previsíveis, cuja defesa poderia muito bem ter sido preparada antecipadamente.
O partido não conseguiu aproveitar a visibilidade dada a ele logo após o lançamento, foi flagrado de calças curtas numa fotografia ruim nas pesquisas de opinião e até agora não exibiu a organização e a estratégia esperadas de um grupo político acostumado ao poder e empenhado (ao menos em tese) em reconquistar a Presidência.
Com oito anos de experiência acumulados na Presidência da República, em diversos governos de Estado, a parceria do PFL, sendo, por isso, a própria representação do establishment político - muito mais que o neófito e atrapalhado PT -, esperava-se mais do PSDB em matéria de projeto de retomada de poder.
Em 1994 o mesmo pessoal exibiu muito mais eficácia. É verdade que tucanos e pefelistas estavam na posse da máquina federal e de um plano de estabilização econômica que talvez até dispensasse candidato. Mas o empenho, o entusiasmo e a unidade eram marcas registradas.
Agora, brigam por questões regionais, brigam pelo vice, brigam com os números das pesquisas, nem se preocupam em simular grande entusiasmo pelo projeto comum, não se esmeram na escolha de uma coordenação de campanha acima de contestações e, sobretudo, deixam o candidato algo à deriva; como se a boa sorte do PSDB e os malfeitos do PT cuidassem sozinhos de uma vitória numa disputa onde o primordial é o profissionalismo.
Nem o populismo dispensa o atributo e, a respeito dele, a permanência de Anthony Garotinho numa batalha - dentro do PMDB e fora dele - que parecia perdida fala por si.
Sem susto
A menos que a oposição tenha se preparado ao ponto de guardar trunfos para surpreender, o depoimento do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, não deve abalar as estruturas mais do que já estão abaladas.
Os fatos são todos conhecidos, a versão do ministro também. O adiamento deu a Márcio Thomaz Bastos tempo para se organizar e deixar a poeira baixar. Nesse meio tempo, a denúncia do procurador-geral assumiu o estrelato da cena e, com ela, o presidente Lula. Bastos agora é coadjuvante