Dois tucanos versus Lula
Serra anuncia candidatura ao governo
do estado de São Paulo e se junta
a Alckmin na disputa contra o PT
Fábio Portela e Camila Pereira
Eduardo Nicolau/AE |
Geraldo Alckmin e José Serra em campanha: unidos pelo pragmatismo |
A decisão de José Serra de renunciar à prefeitura de São Paulo para concorrer ao governo estadual, anunciada na sexta-feira passada, foi uma vitória para os tucanos, em geral, e para Geraldo Alckmin, em particular. Para o PSDB, ela coloca um ponto final no mal-estar que havia se instalado entre "a turma de Alckmin" e "a turma de Serra" desde que ambos disputaram a indicação do partido para concorrer à Presidência da República. Com a entrada do ex-prefeito nas eleições, voltam todos para o mesmo barco. Para Alckmin, a notícia soou melhor ainda. O ex-governador, agora presidenciável em tempo integral, se beneficiará da candidatura Serra muito mais do que Serra se beneficiará da dele. Além de o ex-prefeito ter maior projeção nacional, sua imagem está fortemente associada ao antipetismo, pelo fato de ter disputado com Lula na campanha de 2002 e ter derrotado Marta Suplicy em 2004. Em um cenário em que as eleições para presidente estarão polarizadas entre PSDB e PT, isso não poderia ser mais conveniente para a candidatura tucana. "É como se o PSDB tivesse dois candidatos contra Lula: Alckmin e Serra", analisa o consultor político Gaudêncio Torquato. Os coordenadores da campanha de Alckmin não escondem a euforia: o ex-prefeito dispôs-se, inclusive, a participar das gravações dos programas do presidenciável tucano. Serra, vilmente torpedeado pela tropa de choque do ex-governador, mostra que não guarda ressentimentos na geladeira.
A boa situação de Serra nas pesquisas é, na opinião de especialistas, outro trunfo para Alckmin. Sem a obrigação de fazer campanha pelo seu sucessor em São Paulo, o tucano pode concentrar esforços na briga federal. Por fim, o fato de Serra e Alckmin terem um eleitorado muito parecido – as intenções superpostas de voto chegam a 70% – ajuda ambas as candidaturas. "Quando o eleitor escolhe, nas eleições federais e estaduais, políticos do mesmo partido e com perfis próximos, as chances de ele mudar de idéia ao longo da campanha são pequenas", diz o sociólogo Antônio Lavareda. Nesse sentido, a candidatura de Aécio Neves, em Minas Gerais, deverá ser outra poderosa alavanca para Alckmin. Com boa vantagem nas pesquisas e um amplo arco de alianças já consolidado (ele conta com o apoio de 747 dos 853 prefeitos de Minas, incluindo dezenove petistas), o governador mineiro tem a reeleição praticamente garantida. E deve se empenhar com força total na campanha do ex-governador paulista – entre outros motivos, porque quer impedir que Lula repita o desempenho que obteve em Minas Gerais nas últimas eleições presidenciais. Em 2002, o petista recebeu 66% dos votos mineiros, o dobro do que conseguiu o PSDB.
Emmanuel Pinheiro/AE |
Serra em São Paulo, Aécio em Minas: campanhas estaduais fortalecem Alckmin |
Nem tudo são boas notícias para Alckmin. Na semana passada, o ainda governador de São Paulo enfrentou sua primeira zona de turbulência na condição de candidato à Presidência: foi obrigado a aceitar a demissão de seu secretário de Comunicação, Roger Ferreira, acusado de participar de operações irregulares destinadas a beneficiar deputados aliados com verbas publicitárias saídas da Nossa Caixa. No início da semana, Alckmin tentou relevar o caso: disse que ele já havia sido investigado e estava encerrado. A demissão de Ferreira mostrou que não estava.
Alckmin tem hoje 23% das intenções de voto para presidente, contra 42% de Lula, segundo o Datafolha. A posição de Serra nas pesquisas é bem mais confortável. De acordo com o mesmo instituto, o ex-prefeito teria hoje, no mínimo, 50% dos votos válidos para o governo contra qualquer adversário. Dificilmente o PT conseguirá reverter esse favoritismo. Segundo o consultor em marketing político André Torretta, mudanças bruscas nas curvas das pesquisas só costumam acontecer em três situações: quando há candidatos desconhecidos no páreo; quando o índice de eleitores indecisos é grande; ou quando o candidato que lidera é uma figura polêmica e vulnerável. "Não é o que temos em São Paulo hoje", diz Torretta.
A disputa pelo Palácio dos Bandeirantes nunca esteve nos projetos de Serra. Seu sonho, público e notório, era outro palácio, o do Planalto. O "plano B" só começou a amadurecer há três semanas, após a derrota para Alckmin na disputa interna para a indicação da candidatura à Presidência. No dia 17 de março, Serra começou a balançar com a divulgação, pelo Datafolha, da pesquisa que indicava que ele poderia ganhar o governo do estado no primeiro turno. No dia seguinte, prefeitos, deputados e vereadores do PSDB – que também leram a pesquisa – organizaram uma romaria ao seu gabinete para pedir-lhe que se candidatasse. A cúpula do partido também o exortou a entrar na disputa. Era tudo o que Serra queria. Pragmático, o ex-prefeito sabe que, ao conseguir eleger-se para um cargo de grande visibilidade nacional, como o governo paulista, fica mais bem posicionado para tentar novamente a Presidência em 2010.
Na largada de sua campanha, o primeiro obstáculo de Serra será enfrentar a cobrança dos adversários da promessa, que acaba de quebrar, de permanecer na prefeitura até o fim do mandato. Ele terá de gastar alguma saliva para explicar a mudança de posição, assinada e registrada em cartório. Os dois petistas que podem enfrentá-lo na eleição – o senador Aloizio Mercadante e a ex-prefeita Marta Suplicy – já deram sinais de que, se candidatos, tratarão a quebra de promessa como um "estelionato eleitoral". O presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, avalia que o eleitor não dará ao fato a importância que os adversários pretendem conferir-lhe. "É mais fácil explicar uma saída da prefeitura para o governo estadual do que para a Presidência. O eleitor vê o estado como uma extensão do município." Ao trocar a eleição presidencial pela estadual, Serra cumpre à risca a "lei da equivalência das janelas", criada pelo protagonista de seu livro favorito, Memórias Póstumas de Brás Cubas. Na obra, o personagem machadiano já anunciava: a melhor maneira de compensar uma janela fechada é abrir outra.
São Paulo nas mãos do PFL
Niels Andreas/AE |
Kassab: a ordem é manter a equipe |
Com a renúncia de José Serra, o comando da maior cidade do país passa às mãos do pefelista Gilberto Kassab – mas a idéia é que ninguém perceba a mudança. "A orquestra continua a mesma, só muda o maestro", disse o novo prefeito a VEJA. Kassab assume a prefeitura prometendo lealdade absoluta aos princípios de seu antecessor. "Quando José Serra for governador, serei uma espécie de secretário dele na capital." Para comprovar o que diz, o novo prefeito decidiu manter todo o primeiro escalão da administração municipal. Nos últimos meses, havia intensificado sua relação com os secretários, já prevendo a possibilidade de assumir a prefeitura. Foi preparado para isso por Serra.
No seu partido, o PFL, Kassab é visto como um bom estrategista. Entre outras missões bem-sucedidas, reorganizou a legenda em São Paulo e teve papel importante na reconstrução da aliança nacional com os tucanos. Contra si, Kassab tem o fato de já ter sido investigado pelo Ministério Público por suspeita de enriquecimento ilícito. O procedimento foi arquivado neste ano por falta de provas. Há, no entanto, outros fatos que preocupam. Por exemplo: na véspera de sua posse, o novo prefeito cometeu a imprudência de abrir as portas de seu gabinete para um lobista de alto teor explosivo. Mário Rosa, ex-assessor do marqueteiro Duda Mendonça, já circulava por lá antes mesmo de Kassab assumir o cargo. Mau começo.