O GLOBO
Muito desse revival de JK e de seu tempo talvez se explique pelo nosso desencanto generalizado com o presente, além, evidentemente, da qualidade da minissérie de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira. A decepção com o governo do PT e com um Congresso em que deputados e senadores ganham para não trabalhar criou um estado de espírito que está levando cada vez mais gente a pregar o voto nulo como forma de protesto e a buscar nas lembranças do passado um país melhor. Olha-se para trás com saudade porque parece não valer a pena o que se vê hoje. Até os jovens estão com nostalgia — do que não viveram.
É possível também que, misturado com as recordações desse passado idealizado, de um pretérito mais que perfeito, haja muito de uma paradoxal "saudade do futuro", espécie de revival de um Brasil que, como no verso de Manuel Bandeira, poderia ter sido e que não foi. Na verdade, de tudo o que JK deixou como legado, incluindo o saldo negativo que não foi pequeno, o que alimenta o imaginário moderno foi sua capacidade de pensar grande, de olhar para a frente e de sonhar. No país do visionário JK, que crescia, desenvolvia-se e sentia orgulho de seus feitos, havia projeto de nação, metas a alcançar. Em suma, acreditava-se no futuro. Hoje desacredita-se dele tanto quanto do presente.
Se não bastasse a onda JK para oferecer uma comparação desvantajosa, acaba de surgir a eleição chilena para nos atiçar a inveja. O Chile e o Brasil têm uma história contemporânea com pontos em comum, como a ditadura militar. Até o golpe que derrubou Salvador Allende em 1973, foi a terra que acolheu e deu asilo a muitos políticos perseguidos aqui: FHC, Betinho, José Serra, César Maia, Maria da Conceição Tavares, Artur da Távola, Carlos Lessa, entre outros. Por isso, mas sobretudo pelas altas taxas de crescimento econômico e redução da pobreza (apesar da péssima distribuição de renda), o "milagre"chileno se constituiu sempre em paralelo ou referência.
A subida de Michelle Bachelet ao poder, vencendo a oposição de um país machista e de uma sociedade preconceituosa e careta, significou por si só uma revolução de costumes. Mas tão impressionante quanto sua chegada à presidência é a saída de seu antecessor. Depois de seis anos, Ricardo Lagos deixa o poder aclamado pelo povo nas ruas e com 75% de aprovação nas pesquisas.
Enquanto isso, Lula começa o último ano de seu mandato não construindo, como fez Juscelino, mas tapando buraco de estradas. É melancólico. O Brasil não conseguiu ser nem o Chile e nem mesmo o Brasil com o qual se sonhou nos tempos de JK.